quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3642: Historiografia da presença portuguesa em África (13): A exótica Bissau do Séc. XVII e o papel de D. Frei Vitoriano Portuense (Beja Santos)

Uma Bissau exótica tirada da lenda e do romance,
segundo um livro extraordinário do Almirante Teixeira da Mota

por Beja Santos (*)

Teixeira da Mota, seguramente o mais importante dos historiadores da Guiné colonial, procurou em As Viagens do Bispo D. Frei Vitoriano Portuense à Guiné contribuir para o conhecimento de Bissau e dos Papéis, um verdadeiro acontecimento cientifico, já que tão pouco se sabia e sabe sobre a sua história até ao século XIX (Biblioteca da Expansão Portuguesa, Direcção de Luís de Albuquerque, Publicações Alfa, Lisboa, 1989).

É um relato fascinante pelo conjunto de registos recolhidos e que têm sobretudo a ver com as últimas décadas do século XVII, período delicado já que os missionários espanhóis estavam a ser substituídos a seguir à Restauração por missionários portugueses. O estudo do Teixeira da Mota envolve a acção missionária, a luta contra os franceses, as alterações nas relações entre os Portugueses e os Papéis, as saborosas descrições de Bissau e da sua fortaleza e o espantoso relato do baptismo do Rei de Bissau, Bacampolo-Có ou D. Pedro.

É lastimável que a nossa cooperação cultural com a Guiné-Bissau não permita uma boa divulgação destes títulos, imprescindíveis para o conhecimento da colonização portuguesa. É hoje um dado aceite que a nossa acção missionária na Guiné foi tímida, descontínua, nunca esteva à altura de superar a força do Islão ou de se ter transformado num esteio cultural.

A mortandade entre os missionários era enorme, sobretudo por causa do clima. Os negociantes das praças e presídios não acatavam muito os missionários, sobretudo quando estes contestavam contra a escravatura.

As viagens do Bispo D. Frei Vitoriano Portuense foram, a vários títulos, um grande acontecimento. Bispo de Cabo Verde, viajou até à Guiné de forma ousada, procurou todos os apoios para fundar igrejas e fazer acolher missionários. Sabia que os Papéis e os Manjacos eram então bastante receptivos à presença portuguesa. O porto de Bissau, reconhecido por todos, estava bem localizado para servir de base de partida e de apoio da navegação costeira e fluvial.

Foi assim que nasceu à volta de Bissau a classe dos grumetes, os aculturados que aceitavam os princípios do cristianismo e que se revelaram indispensáveis para a sua irradiação. Recordo-me que os meus soldados falavam dos cristãos de Geba como aqueles que praticavam o cristianismo, que falavam o português, que trajavam à europeia e que apoiavam a própria administração colonial. Os cabos Domingos Silva, Benjamim Lopes da Costa e José Pereira, do Pel Caç Nat 52, vinham indiscutivelmente desta linhagem.

Os relatos comentados por Teixeira da Mota deixam bem claro como o povo e o porto de Bissau era um dos mais importantes núcleos da presença portuguesa e cristã na Guiné: por ali passaram os primeiros jesuítas, como o Pe. Manuel Álvares, em 1607, que deixou um informação muito rica sobre os Papéis; por Bissau passou o franciscano Fr. André de Faro, em 1663 e a seguir vários capuchinhos espanhóis, e contemporâneos da sua presença temos a actividade comercial dos franceses em Bissau, estes, mais que os Ingleses e Holandeses procuraram liderar o negócio da escravatura para abastecer as Antilhas francesas.

Com a Restauração, constitui-se a capitania de Bissau para protecção do rio Grande (hoje o rio Geba) que ficou numa fortaleza custeada pela Companhia de Cacheu e Cabo Verde. O bispo efectuou a sua primeira viagem à Guiné em 1694, tendo visitado Bissau, Geba, Cacheu, Farim, Xime e Boloura, registando um número de cristãos existentes, várias centenas.

O filho do rei de Bissau é enviado para Lisboa, aqui é baptizado com toda a pompa, tratado como um príncipe pelo rei D. Pedro II. O relato do baptismo é uma peça literária, mas pertence a outro autor. D. Frei Vitoriano Portuense volta à Guiné em 1696. Já tinha falecido Manuel de Portugal, o filho do rei de Bissau, o próprio rei tinha adoecido gravemente e queria ser baptizado. Bacampolo-Có pede antes de morrer que queria ser sepultado em terra de cristãos e pedia par não matarem os seus escravos.

O relato do bispo de Cabo Verde é de uma grande importância pelas expectativas que abre para a acção missionaria, confere grane importância ás relações estabelecidas com vários reis que aceitam converter-se ao cristianismo.

Teixeira da Mota chama depois à atenção para a presença dos franceses em Bissau, as visitas efectuadas por alguns viajantes franceses, o manifesto antiesclavagista dos últimos capuchinhos espanhóis de Bissau e atribui grande valor aos relatos dos jesuítas que tentaram implantar-se na região, sem êxito.

Depois do estudo propriamente dito, Teixeira da Mota publica a tradução dos seguintes textos: A ilha de Bissau segundo o Padre Manuel Álvares; Relato da primeira viagem do Bispo D. Fr. Vitoriano Portuense à Guiné (1694); A primeira viagem do Bispo D. Fr. Vitoriano Portuense à Guiné e o baptismo em Lisboa de D. Manuel de Portugal, filho do rei de Bissau, segundo o opúsculo de 1695; relato do baptismo de D. Pedro, rei de Bissau, e do começo da segunda viagem à Guiné do Bispo D. Fr. Vitoriano Portuense (1696); A Ilha de Bissau na relação da viagem de La Courbe (1686-1687); O manifesto antiesclavagista dos capuchinhos espanhóis de Bissau de 1686.

Só duas ou três pinceladas sobre a qualidade e importância dos textos. O padre Manuel Álvares refere-se à Ilha de Bissau do seguinte modo:

“A terra é sadia, gracioso o sítio e aprazível por causa do vário arvoredo e abundância de água, que tem a ilha suficiente quantidade dela. È benemérita esta de todos, por a terem aqui os passageiros como estalagem ou quinta de refresco, onde as embarcações se provêm de aguada e mais necessário para o cumprimento da viagem, que o tem a terra, sendo abundantíssima do vários mantimentos, como arroz, funde, feijão, inhame, abóboras, muito vinho”.

Escreve D. Fr. Vitoriano Portuense em 1694:

“É este gentio de Bissau bem inclinado; Tem grande pretensão para a cristandade. O que a chegou a receber não tornou mais a recalcitrar, o que não se acha em outras nações. O cabo daquela povoação trouxe a ser cristãos todos os seus parentes, e, não querendo a vir ser sua mãe, dizendo que era velha, tinha mais de 70 anos, respondendo o filho que, se ela não viesse, tornaria a vestir a pele e a ser gentio, convenceu a mãe e a trouxe consigo, e eu a crismei nesta visita”.

Da viagem de D. Fr. Vitoriano Portuense de 1696 dirigida ao rei de Portugal:

“ De tudo o que tenho referido pode V. Majestade conhecer a boa disposição em que está esta seara, por se colherem dela muito copiosos frutos, para o que é necessário venham trabalhadores, e sobretudo um bispo caritativo e zeloso, como já em outra ocasião disse a V. Majestade e agora o torno a repetir, por quanto o bispo da ilha de Santiago não pode, ainda que queira, cultivar esta nova vinha. E considerando eu a grande necessidade que têm estas pobres almas de quem lhes reparta o pão da doutrina cristã, peço a V. Majestade, com todo o rendimento, me maça mercê aceitar a saída do bispo de Santiago, para que vindo, não bispo, mas missionário, para estas partes, nelas passe o que me resta da vida”.

Comprei este livro numa loja da Worten por 2.99€.

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Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste de 12 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3607: Historiografia da Presença Portuguesa (13): Cónego Marcelino Marques de Barros (1844-1928) (Beja Santos)

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