quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3381: O meu baptismo de fogo (21): 6 de Outubro de 1970, o primeiro contacto com a realidade das minas (Carlos Vinhal)

Carlos Vinhal, ex-Fur Mil Art.ª MA, CART 2732, Mansabá, 1970/72

Como tinha prometido, venho falar da minha outra experiência de baptismo de fogo (*).

O meu (segundo) baptismo de fogo

6 de Outubro de 1970

O Aquartelamento tinha sido atacado na noite de 5 de Outubro.

De manhã cedo havia que fazer o reconhecimento da zona envolvente, pois o IN esteve muito próximo e normalmente deixava pistas que de alguma forma serviam para recolher ensinamentos para o futuro. Além de tudo, por vezes, antes de retirar, o IN deixava armadilhas nos itinerários utilizados por nós e pela população. Esta acção competia ao Pelotão de Piquete.

Estava de Piquete o Pelotão do alferes Couto, que como eu, tinha o curso de Minas e Armadilhas.

Em virtude das vicissitudes do ataque, o Alferes Couto ter-se-á deitado muito tarde e descansado pouco. Manhã cedo saiu com o seu pelotão para o mato, apoiado pelo meu, o 3.º, comandado pelo Alferes Bento, para proceder ao devido reconhecimento.

Estando eu na altura impedido na Secretaria do Comando, não tinha actividade operacional. Não tenho a certeza, mas julgo que o alferes Couto tinha já alguma experiência na neutralização de minas, mercê da sua actividade operacional. O certo é que passado pouco tempo após a saída dos pelotões, ouviu-se um estrondo e quase de seguida, via rádio, foi pedida evacuação de um ferido e um morto, vítimas da explosão de uma mina antipessoal. Saíram imediatamente algumas viaturas para trazerem os sinistrados.

Quando regressaram, traziam o Alferes Couto já cadáver e o Alferes Bento com alguns ferimentos, pouco graves felizmente, vítima da mesma explosão (**).

Segundo a versão que correu posteriormente, o malogrado Alferes Couto, tinha já recuperado uma mina AP e porque tivesse encontrado alguma dificuldade em desarmá-la, chamou, para o ajudar, o alferes Bento. A detonação deu-se quando este ainda se dirigia para ele.

Acresce que por ordem hierárquica, na CART 2732, a cadeia dos operacionais na área das Minas e Armadilhas eram, o Alferes Couto por ser oficial, eu a seguir e por último o Sousa que tinha nota de curso inferior à minha.

Recolhidos os feridos e os restos do cadáver, havia que voltar ao local do incidente para continuar a neutralizar as outras minas detectadas. Claro que fui logo chamado pelo Comandante de Companhia para substituir o falecido e, mesmo com a farda n.º 2 fui ao mato acabar o trabalho.

Terá sido uma mina como esta, TMD-6, que vitimou o Alf Mil José Armando Santos do Couto em 6 de Outubro de 1970, primeira baixa da CART 2732 em combate.

Foto de David Guimarães © (2008). Direitos reservados.
Editada por CV


Mansabá, 11 de Outubro de 1970 > Cerimónia de homenagem ao malogrado Alf Mil Couto, falecido no dia 6. Na foto o 3.º Pel/CART 2732 a desfilar. Na frente o Cabo Corneteiro Oliveira Barge, seguido dos Furs Mil Nunes, Vinhal e do restante pelotão.

Chegado ao local fatídico, estavam assinaladas mais duas minas antipessoais guardadas por alguns militares com a cara mais assustada e preocupada que jamais tinha visto. Ao verem-me, traumatizados como estavam com a morte do seu alferes, desejaram-me as maiores felicidades e sorte do Mundo.

As minas levantadas davam prémio pecuniário a quem as detectasse desde que fossem levantadas, mas como o dinheiro não é mais importante que o risco de vida, eu tinha prometido a mim mesmo que jamais tentaria levantar alguma mina antipessoal. Depois do acontecido, mais convencido fiquei de que tinha a razão pelo meu lado.

Assim, comecei por juntar às minas detectadas, uns petardos de TNT, que iriam ser rebentados por detonadores pirotécnicos alimentados por cordão lento. Este cordão ardia à velocidade de 1 centímetro por segundo, ao contrário do rápido, cuja velocidade era de 1 metro por segundo. Normalmente fazia um chicote com cerca de 20 centímetros, para ter tempo de estender a manta e esparar calmamente deitado pela detonação.

Claro que isto exigiu que eu andasse por ali às voltas. Examinei tanto quanto pude o terreno por onde iria correr para me proteger enquanto o cordão ardesse e quando aquilo tudo rebentasse. Pus o pessoal em bom recato, peguei fogo ao rastilho e abriguei-me finalmente, esperando pela explosão.

Quando esta aconteceu, fui ao local ver os estragos e deparei que, em vez de duas crateras correspondentes às duas minas detectadas, tinha três. Na realidade não havia duas, mas sim três minas, sendo que a terceira não descoberta rebentou por simpatia e eu não a tinha pisado antes por mero acaso e sorte.

Quando regressei ao aquartelamento vinha tenso. Pudera, tinha sido o meu primeiro trabalho a sério e fi-lo logo a seguir a uma morte violenta. E o dia podia ter-me saído caro também.

A partir deste dia passei a ter actividade operacional. O Alferes Bento estava internado no HM 241 e, se a memória não me falha, o furriel Correia estava de férias na Metrópole, estando o Pelotão entregue só ao Furriel Nunes. Nunca deixei, no entanto de colaborar na Secretaria, mantendo a gerência dos bares como anteriormente. Além disto fiquei com a responsabilidade das actividades relacionadas com as Minas e Armadilhas na Companhia, coadjuvado pelo meu camarada Furriel Rui Sousa.

Bironque, 3 de Dezembro de 1971 > Fruto do trabalho de equipa. Os picadores detectaram esta TM46 e os técnicos, Vinhal e Rui Sousa, levantaram. Pela foto se nota que mais uma vez fui chamado de emergência ao mato, pois estou vestido com a farda n.º 2, divisas e tudo.

Mantida, 11 de Janeiro de 1972 > Levantamento de uma mina AUPS aquando da neutralizaçâo de todos os campos de minas implantados, à responsabilidade da CART 2732. Esta acção coincidiu com o fim de Comissão da CART.
OBS:-Não é pose. A foto é um instantâneo verdadeiro


Foto e legendas de Carlos Vinhal © (2008). Direitos reservados.

__________________

Nota de CV

(*) Vd. postes de

29 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3378: O meu baptismo de fogo (20): Galo Corubal, em data incerta (Torcato Mendonça, CART 2339, Mansambo, 1968/69)

11 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3293: O meu baptismo de fogo (7): Mansabá, 21 de Abril de 1970 (Carlos Vinhal)

(**) Vd. poste de 18 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P968: A morte do Alf Couto, de minas e armadilhas, CART 2732, Mansabá, Outubro de 1970 (Carlos Vinhal)

2 comentários:

Cesar Dias disse...

Pois é Carlos o termo é mesmo esse,"Baptismo de Minas".
Também o meu foi com uma mina A/C,mas os nossos 21 anos não nos deixavam fazer outra coisa que não fosse levantar a mina. Já não me recordo quem a detectou, foi na estrada Jugudul/Bindoro, eu e o Sérgio outro Furriel do nosso pelotão, escavámos e verificámos a possibilidade de estar armadilhada ( Santa ignorância pois há 1001 maneiras de o fazer)por fim erguemos o caixote e sorrimos um para o outro. Não contentes com isso, ali mesmo, desmantelámos a mina separando os explosivos dos detonadores que foram depois transportados para o Quartel de Mansoa. A esta distância no tempo só posso atribuir este procedimento aos nossos 21 anos de idade, pois nada nos obrigava a fazê-lo, só tinhamos que a destruir e ponto final.
Carlos na tua pessoa abraço todos os companheiros que as manusearam, principalmente aqueles a quem as coisas não correram tão bem.

César Dias
Ex Furriel Milic Sap
BCAÇ 2885 Mansoa 69/71

Anónimo disse...

Carlos
Vamos lá a ver se desta vez acerto.
Ainda que com atrazo eis o que escrevi na altura que acabei de ler a tua 1.ª actuação como especialista em MA, consequência do ocorrido com o malogrado Alf Couto.
Como já te disse , recordava-me deste Alf, do qual não sabia era o nome, por ter conversado com ele creio que no bar em Mansoa, no dia da vossa passagem para Mansabá. talvez pela sua idade já inadequada para o Posto, a sua profissão (Oficial Náutico), a "instabilidade" que detectei, tudo isso deve ter contribuido para o reter na memótia e, na altura, quando tomámos conhecimento em Mansoa do ocorrido, sei que fiquei muito impressionado.
Ainda bem que decidiste jogar pelo seguro e fazê-la rebentar. Era muito mais seguro e, afinal, o dinheiro que davam por "uma recordação" daquele material não pagava a vida.
Jorge Picado