quarta-feira, 9 de julho de 2008

Guiné 63/74 - P3041: Simpósio de Guileje: Notas Soltas (José Teixeira) (6): O cabaço da bajuda

Foto 1 > Soldados da Milícia de Mampatá

Foto 2 > A Ádada, mulher do régulo Suleimane


Foto 3 > O Aliu Baldé
Foto 4 > A mulher do régulo Shambel de Contabane, mãe do Suleimane
Foto 5 > Nobia na tem kabaço. Manga de ronco Fotos e legendas: © José Teixeira (2008). Direitos reservados.


1. Publicamos hoje mais umas Notas Soltas do nosso camarada José Teixeira, ainda a propósito da sua ida à Guiné-Bissau, por altura do Simpósio Internacional de Guiledje (1-7 de Março de 2008).

2. O Cabaço da Bajuda. 

Por José Teixeira 

 Na minha recente peregrinação à Guiné-Bissau, fui visitar um velho amigo de Mampatá, agora régulo em Sinchã-Shambel – Saltinho. O Suleimane Shambel é filho do falecido régulo de Contabane, tabanca assaltada e queimada pelo IN em 22 de Julho de 1968. 

Parte de uma Companhia operacional que lá estava estacionada, regressou em 24 de Junho do mesmo ano a Aldeia Formosa com a roupa que tinham aquando o ataque, tal foi a violência do mesmo. O régulo Shambel fixou-se em Aldeia Formosa. A população dividiu-se entre Aldeia Formosa e Saltinho, até ser reagrupada em Sinchã-Shambel. 

O meu amigo Suleimane fixou-se em Mampatá, integrando o Pelotão de Caçadores Nativos (Milícia local), tendo casado com a Ádada (*), filha do régulo local, Aliu Baldé. 

 Aí convivemos durante seis meses. Agora voltámo-nos a encontrar, para reviver velhos tempos. Sentado num trepo (banco de três pernas) conversávamos os três animadamente, recordando outros tempos, recordando amigos(as), alguns vivos e localizáveis, outros em lugar incerto e tantos que já partiram… 

 Eram cerca de três da tarde, quando se começa ouvir um burburinho, que se deslocava na nossa direcção. Um coro de vozes femininas a cantarolar em simultâneo com gritos e risos que reflectiam alegria e boa disposição. Poucos segundos depois, passa à nossa frente uma procissão de bajudas e jovens mulheres. Uma das da frente levava um pau tipo bandeira com um pequeno pano vermelho pendurado na ponta. A algazarra era enorme. As mulheres espreitavam e batiam palmas, os homens lançavam uns sorrisinhos marotos, face àquela festa. 

 Eu, embasbacado, perguntei: 

- Ádada, que festa é esta? 

 Ela com um sorriso malandro retorquiu: 

- Ontem houve casamento, grande ronco. A noiva ergueu-se agora da cama e mostrou o lençol com sangue. Bajuda na tem kabaço. É ronco, é festa. As outro bajudas estão a mostrar a população qui noiva na tem kabaço mesmo

- Até ontem! - Comentei. 

- Sim, hoje já não tem. 

- O lençol tinha sangue dela ou de alguma galinha que lá puseste. - disse eu com ar de malandro. 

 Uma gargalhada geral encerrou a conversa enquanto eu seguia com os olhos o grupo de mulheres que se deslocava tabanca fora na sua alegre cantilena. 

 Hoje recordo como foi diferente o casamento em Dezembro de 1968 da Mariama de Mampatá: 

 (i) Os preparativos, desde o pentear do cabelo que demorou horas; 

(ii) A chegada do noivo e sua comitiva, vindo de Aldeia Formosa; 

(iii) A festa contida pela necessidade de não se fazer demasiado barulho para não acordar o IN; 

(iv) O batuque que acabou ao escurecer para que o silêncio se impusesse e os ouvidos se concentrassem em possíveis ruídos ameaçadores; 

(v) A expectativa no dia seguinte em ver o lençol pintalgado de manchas vermelhas, sinal de que a Mariama ainda tinha kabaço. Cena de que fui delicadamente afastado por uma mulher grande. 

 Zé Teixeira

(*) Em escritos anteriores falei da alegria que senti quando a Ádada me reconheceu em 2005, 

altura da minha primeira visita à Guiné-Bissau no pós-guerra.

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  Nota de CV: 

 Vd. último poste da série de 7 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2816: Simpósio de Guileje: Notas Soltas (José Teixeira) (5): Água, fonte de vida para as gentes de Cabedu

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