terça-feira, 17 de junho de 2008

Guiné 63/74 - P2954: A guerra estava militarmente perdida? (18): José Belo.

A Guerra estava militarmente perdida?

José Belo
ex-Alf Mil, CCAÇ 2381, 1968/70

Liberdade, Democracia...e guerras coloniais militarmente ganhas!

Das potências militares europeias quantas terão militarmente perdido as suas guerras coloniais? A Inglaterra na Índia ou em África? A França na Argélia? A Holanda na Indonésia? Apesar de disporem de recursos humanos e económicos avultados, todas se decidiram pelo abandono. Quer se creia ou não em "ventos da História", essas colónias não foram militarmente perdidas.

Dirão os idealistas que a força de emancipação dos povos é impossível de ser militarmente parada. Dirão economistas serem outras as regras "do Jogo", apesar de convenientemente vestidas com uniformes militares e bandeiras desfraldadas.

Liberdade – Democracia - Guerras Coloniais, é equação de provado não funcionamento histórico. Daí, uma guerra colonial a ser ganha"num Portugal livre, democrático, europeu?

Como participantes activos, como combatentes, numa tragédia histórica que nos ultrapassava, tanto no "tempo" como nas responsabilidades políticas deveremos sentir vergonha? Cito o Coronel de Infantaria David Martelo no seu livro "As Mágoas do Império": apesar de ser norma das guerras exprimirem-se pela destruição, a derradeira campanha em África, terá sido, com toda a certeza, o empreendimento militar português que mais construíu! A própria táctica de captação das populações não consentia outros procedimentos. Por esse motivo, os militares e ex-militares portugueses podem recordar, com justo orgulho, o bem-estar que ajudaram a levar até grande parte das populações autóctones.

Tenho que concordar com o "desabafo" de J. Mexia Alves meses atrás enviado á Tabanca Grande, na sua incompreensão quanto á necessidade de alguns se colocarem literalmente "de cócoras" perante os feitos da guerrilha, na busca de um, muitas vezes demasiadamente forçado pseudo politicamente correcto.

Os nossos antigos adversários são merecedores do nosso respeito, mas não de subserviências. Em verdade, em função dos resultados por eles obtidos não as necessitam! Na guerra que nos obrigaram a travar, e no campo estritamente militar, muito pouco haverá que nos pode envergonhar como Soldados de Portugal.

Mas um debate quanto a guerras passadas não militarmente perdidas? Não é sequer original! O Nacional-Socialismo de Hitler tomou o poder sob a bandeira da traição aos combatentes Alemães da 1ª Guerra Mundial, não militarmente derrotados. Os nostálgicos que na Rússia de hoje lamentam a perda do Império Soviético na Europa de Leste, depois de uma guerra fria não militarmente perdida. A direita civil e militar Norte-Americana afirmando continuamente que a guerra do Vietname estava longe de militarmente perdida!

Humor á parte, tem que se concordar serem interessantes companheiros de caminho nisto de debates quanto a guerras...militarmente perdidas ou não! A não se pretenderem tirar as conclusões políticas inerentes, resta, para este nosso debate estritamente militar soluções de contabilidade aparentemente simples.

Mas não será uma simplicidade enganadora? Um teatro de guerra, por definição é constituído por infindáveis e multi-facetados factores. Esses factores acabam por multiplicar-se "ad infinitum" quando a um Exército Regular se opõe uma força de Guerrilha.

Contam-se as armas de cada campo? Quantas metralhadoras? Quantos canhões? Mas chegará contar os canhões? Quantos estavam em condições verdadeiramente operacionais? (Recordo os imponentes obuses 14 de algumas guarnições, aos quais faltavam os aparelhos de pontaria e tabelas de tiro). Funcionariam todos os inventariados à guerrilha? Quantos especialistas de armas pesadas manuseavam o nosso tão distribuído morteiro 81? Será o rendimento operacional obtido por tais armas contabilizado do mesmo modo, independentemente do voluntarismo dos militares que as utilizavam? Qual a norma para uma contabilização comparativa quando as nossas armas pesadas respondiam a ataque nocturno ás nossas guarnições sem disporem de equipamentos de aquisição de objectivos? Os efeitos "estritamente militares" eram relativos, apesar de por vezes, lá íamos acertando. Por certo, como no caso da guerrilha.

Quatro, sete, vinte navios de guerra que garantem as deslocações nos rios e braços de mar serão contabilizados do mesmo modo que, duas, vinte, trinta primitivas canoas que, na escuridão da noite, permitem á guerrilha transportar os homens e materiais necessários? Como comparar os resultados práticos e estratégicos obtidos por estas armas assimétricas?

O inimigo, por contínua pressão militar, obrigou-nos a abandonar os aquartelamentos, por ex., de Gandembel e Madina do Boé. Na exploração do resultado, a guerrilha decide não ocupar os aquartelamentos, pois o seu interesse estratégico era desimpedir os eixos de infiltração de material, e não o de ocupar terreno, e esperar sentada pelos inevitáveis bombardeamentos.

Como contabilizar os resultados? Vitória na planeada retirada estratégica das força convencionais? Vitória da guerrilha por ter obtido os seus objectivos? Ao objectivo "estritamente militar" em que um exército regular quantifica "a vitória", opõe a guerrilha uma ideia de vitória sustentada pela arma fundamental ao seu dispor que é a propaganda.

Como contabilizar os resultados das diversas operações á ilha do Como? Ao Cantanhez? Vitórias? Derrotas? Quais os resultados estritamente militares perante os objectivos planeados? Ocupação de terreno? Interdição de terreno? Conquista das populações? Destruição de meios humanos e militares inimigos? Em operações das nossas tropas especiais, heli-transportadas, com avultados sucessos em acampamentos destruídos, inimigos mortos e material apreendido, a contabilização é mais uma vez de aparente facilidade, na perspectiva de um exército convencional. Mas as tropas especiais não são nem formadas, nem vocacionadas, para simplesmente ocuparem o terreno. Daí, o passadas horas, dias, ou mesmo semanas, acabarem por ser retiradas dos objectivos destruídos. A guerrilha volta. Apaga as cinzas. E grita vitória por ter obrigado o inimigo a retirar. Mesmo que as forças de guerrilha tenham que acabar por "apagar as cinzas" de uma centena de acampamentos no mato, se gritarem sempre "vitória" de um modo que as populações "vejam" essas vitórias, a nossa contabilidade assimétrica complica-se ainda mais.

Neste tipo de guerra, terá significado militar o quantificar a "vitória" em áreas ocupadas pelas força regulares? Como relacionar estas numa proporção relativa aos quilómetros quadrados em que a guerrilha se movimenta. Ocupação/Movimentação, mais uma das facetas de contabilização menos fácil. Como quantificar em termos estritamente militares, os efeitos psicológicos dos rebentamentos de minas anti-carro sob viaturas pejadas de soldados? Opondo-se-lhes o número de quilómetros de estradas alcatroadas, em que algumas das nossa colunas se deslocavam sem problemas de maior sob a segura protecção das vetustas Fox e Daimler?

A evolução do material de guerra fornecido á guerrilha pelos seus apoiantes, com a crescente aceleração em quantidade e qualidade, nos últimos anos da guerra, foi considerável. Seria suficiente, nos tais termos estritamente militares, para uma vitória frente ao exército convencional com evidentes carências na sua capacidade de renovação, adaptação e aquisição de material de guerra que lhe permitisse acompanhar a par e passo o evoluir da guerra de guerrilha para uma confrontação mais convencional?

Qual o significado real, neste debate, quanto ao facto de o inimigo possuir este, ou aquele tipo de foguetões anti-aéreos, ou anti-campos fortificados? Não se poderá negar que os nossos aviões ainda voavam dentro de certas limitações. Mas facto é que essas limitações não existiram durante um grande período da guerra, com todas as inerentes vantagens para as nossas tropas. Como contabilizar nos tais termos militares esta forçada diminuição de uma situação anterior....óptima? Quantos os aviões abatidos? Quais as nossas capacidades de substituicao? Quais os efeitos psicológicos para os pilotos que sabiam não dispor de contra medidas eficazes contra as armas contra eles utilizadas? Não haverá muito de subjectivo e portanto um pouco fora do campo de uma análise "estritamente militar", ao ser usado como exemplo o facto de utilizarmos os aviões de transporte Norte-Atlas, como plataformas de bombardeamento, lançando as bombas através da porta de carregamentos?

São muitas as dúvidas, as perguntas levantadas, as interpretações, os raciocínios subjectivos. Neste tipo de debate é fácil esquecer que o Mundo não parou no mês de Marco do ano de 74. Quais seriam as condições reais em Portugal sem a revolta militar de Abril? A tal guerra colonial..."a ser ganha"...ou não perdida, ....quantos anos mais?

Estocolmo, 3 Junho 2008

J.Belo
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Notas de vb:

1. A Guerra estava militarmente perdida. Era apenas uma questão de tempo. A artilharia do PAIGC ia até Mansoa, Farim, Bolama, Bissau...Os Strella, os pilotos do PAIGC, em formação, preparavam-se para levar os MIGs até Bissau.

A Guerra não estava perdida em termos estritamente militares. À medida que o PAIGC melhorava as máquinas da morte, o Governo Português avançava com os Red Eye e não estava afastada a ideia de novas investidas a Conakry.

A opinião internacional, as Nações Unidas, os aliados de Portugal cada vez menos aliados, a pressionarem o governo Português a aceitar uma negociação para o conflito.
A imperiosa necessidade de salvaguardar a jóia da República, Angola (onde a guerra estava limitada a acções de polícia).

A Família Portuguesa cada vez menos disposta a enviar os seus filhos, maridos e netos para uma guerra que achavam sem sentido. E o brio das Forças Armadas Portuguesas com os melhores soldados do mundo a garantirem que não seria nas bolanhas e nas matas que Portugal iria perder a guerra. ~

O número de refractários e desertores não parava de aumentar. Muitos deles na Suécia, França, Holanda, Bélgica... participavam em acções contra o colonialismo Português. E Tavira, Caldas, Mafra a abarrotarem de milicianos cada vez com menos vontade em lutar por um Império que lhes parecia dizer muito pouco...
Uma questão polémica, infindável.

2. vd. artigos relacionados em:

14 de Junho de 2008> Guiné 63/74 - P2941: A guerra estava militarmente perdida? (17): E. Magalhães Ribeiro.

13 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2937: A guerra estava militarmente perdida? (16): António Santos,Torcato Mendonça,Mexia Alves,Paulo Santiago.

12 de Junho de 2008 >
Guiné 63/74 - P2932: A guerra estava militarmente perdida? (15): Uma polémica que, por mim, se aproxima do fim (Beja Santos)

12 de Junho de 2008>
Guiné 63/74 - P2929: A guerra estava militarmente perdida? (14): Estávamos fartos da guerra e a moral nã era muito elevada. A. Graça de Abreu.

3 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2913: A guerra estava militarmente perdida? (13): Henrique Cerqueira.

31 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2907: A guerra estava militarmente perdida? (12): Vítor Junqueira.

29 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2899: A guerra estava militarmente perdida? (11): Correspondência entre Mexia Alves e Beja Santos.

28 de Maio de 2008 >Guiné 63/74 - P2893: A guerra estava militarmente perdida? (10): Que arma era aquela? Órgãos de Estaline? (Paulo Santiago)

27 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2890: A guerra estava militarmente perdida? (9): Esclarecimentos sobre estradas e pistas asfaltadas (Antero Santos, 1972/74)

25 de Maio > Guiné 63/74 - P2883: A guerra estava militarmente perdida ? (8): Polémica: Colapso militar ou colapso político? (Beja Santos)

[Por lapso, houve um salto na numeração, não existindo os postes nº 7 e 6 desta série ]

22 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2872: A guerra estava militarmente perdida ? (5): Uma boa polémica: Beja Santos e Graça de Abreu

15 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2845: A guerra estava militarmente perdida ? (4): Faço jus ao esforço extraordinário dos combatentes portugueses (Joaquim Mexia Alves)

13 de Maio de 2008 > Guiné 73/74 - P2838: A guerra estava militarmente perdida ? (3): Sabia-se em Lisboa o que representaria a entrada em cena dos MiG (Beja Santos)

30 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2803: A guerra estava militarmente perdida ? (2): Não, não estava, nós é que estávamos fartos da guerra (António Graça de Abreu)

17 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2767: A guerra estava militarmente perdida ? (1): Sobre este tema o António Graça de Abreu pode falar de cátedra (Vitor Junqueira)

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