quinta-feira, 17 de abril de 2008

Guiné 63/74 - P2767: A guerra estava militarmente perdida ? (1): Sobre este tema o António Graça de Abreu pode falar de cátedra (Vitor Junqueira)



Pombal > 28 de Abril de 2007 > 2º encontro da tertúlia Luís Graça & Camaradas da Guiné > Restaurante O Manjar do Marquês. Antes do almoço, o Vitor Junqueiro, na sua qualidade de nosso anfitrião e organizador do encontro, fez o discurso de boas vindas.

Num gesto de grande simbolismo e beleza, que nos tocou a todos, fez-se rodear e acompanhar pela sua família: três lindas filhas, duas encantadoras netas, um genro e o namorado de uma das filhas, qualquer deles simpatiquíssimos e amáveis...

A seguir, o Vitor - verdadeira caixinha de surpresas - fez questão de ser condecorado por dois dos seus camaradas de Guiné: o A. Marques Lopes, o mais graduado de todos nós, coronel DFA na reforma, e que foi gravemente ferido em combate na zona leste; e eu, próprio, Luís Graça, na qualidade de fundador e editor do blogue...

A condecoração, sobre a qual ele foi lacónico, teria a ver com a sua brilhante folha de serviços como militar, ou seja, como oficial miliciano. Foi-lhe atribuído, segundo percebi, pelo Chefe do Estado Maior do Exército e era para lhe ser entregue no 10 de Junho de 1974, não fora o conflito com outra data, o 25 de Abril de 1974, que veio mudar o curso dos acontecimentos.

A cerimónia acabou por ser adiada trinta e três anos... Simbolicamente, a medalha por bons serviços foi-lhe entregue no dia 28 de Abril de 2007, por dois camaradas seus, na sua terra, na terra que ele muito ama... Um gesto bonito num dia bonito, em que realizámos, mais uma vez, o sentido da palavra camarada... Estes fotos, mandou-mas o Xico Allen. Estavam à espera de uma boa oportunidade para aparecerem no blogue (que nem sempre é do nosso contentamento)... Vitor, sei que as vai pôr no teu álbum, com muito orgulho. Obrigado, Xico, pelo teu gesto.

Fotos: © Xico Allen (2007). Direitos reservados.



1. Do nosso querido amigo e camarada, ressuscitado, Vitor Junqueira (1), que na triagem de Manchester (não é censura, não senhor!) que os editores fazem (ou têm que fazer, coitados) tem direito a pulseira de cor vermelha (ou carmesim, para quem não gosta do vermelho) (1):

Assunto - Peço a palavra!

Um amigo, até há pouco residente na cidade de Campinas, situada uma centena de quilómetros de S. Paulo - Brasil, estava a ser assaltado pela enésima vez pelo mesmo bandido. Enquanto o larápio lhe esvaziava a caixa registadora da pequena padaria familiar que geria encostando-lhe um .38 à têmpora, arriscou como quem quer fazer conversa ou, sabe-se lá, amizade:
- Oi cara, você não acha este seu ofício um pouco perigoso, não? Um dia destes, outro cara que nem você ou a polícia, podem lhe arrefecer o céu de sua boca, né ...?
- Ah, mas eu não tenho medo, não. Isso é p'ra você, que tem casa, dinheiro, uma família ... Eu não tenho nada a perder, vou ter medo de quê?

Liga-me, a este gatuno, um inexplicável sentimento de fraternidade. Também eu, de um certo ponto de vista, já nada tenho a perder. A não ser a honra e dignidade que, nos dias de hoje, se estão afundando mais rapidamente do que o dólar. E, se por um lado, a Pátria nada me deve como tenho afirmado repetidamente, também é certo que nunca mamei nas tetas da república, desta ou da velha porca. Cargos, honrarias, poleiro, visibilidade, pilim da nossa saca, foram coisas que rejeitei, como sempre o fizeram e disso estou convicto, a maioria dos camaradas que participam neste Blogue. Sinto-me por isso perfeitamente à vontade para discordar de certos pontos de vista aqui espelhados e manifestar essa minha discordância, sem receio de sofrer consequências pela eventual ofensa ao politicamento correcto e/ou oportuno, veiculado pela corrente situacionista (desculpem-me pelos chavões).

Hoje, parafraseando Lobo Antunes - as boas ideias não fazem os bons escritores - coisa a que não aspiro mas que não deixa de ser uma bela carapuça, e para não me estender ao comprido, vou com vossa licença abrir o post nº 2760 de A. G. Abreu (3).

Leio:

"Meu caro Luís,
Enviei-te o mail abaixo, em Dezembro. Podias ter aproveitado qualquer coisa para o Blogue".

E a seguir, aflora três temas que no meu entender deveriam ter sido aproveitados para o Blogue.

1 - A sua perspectiva de que a guerra não estava militarmente perdida;
2 - O seu conhecimentode que a Força Aérea continuou a desempenhar as suas missões após o abate de cinco aviões pelos mísseis do PAIGC;
3 - A sua constatação de que de facto as FA de Portugal controlavam a maioria das cidades , vilas e aldeias.

Nas palavras do camarada Abreu, vislumbro alguma mágoa. Mas, se ele não quis realmente expressá-la, exprimo-a eu. Mágoa, tristeza, revolta, impotência ... Porque a guerra do Graça Abreu, foi a minha guerra. Revejo-me em cada linha, em cada palavra do seu livro Diário da Guiné. Seria exactamente aquele livro que eu gostaria de ter escrito, se tivesse arte para tal. Li-o numa noite e reli-o. Fiz sublinhados e anotações pessoais, comparei-o com outras prosas que fizeram o seu caminho e se enraizaram nos diversos corpos sociais da república, intocáveis, quantas vezes complexadas e revanchistas.

Quero acreditar que no Blogue não existe censura, mas a desconfiança começa minar-me a memória, a riscar-me o orgulho de ex-combatente. Já não sei se hei-de acreditar em mim próprio ou no que aparece escarrapachado na abundante produção literária (e televisiva) e naqueles que recentemente se atiraram a este filão como gato a bofe (vd. Tempo de Cicatrizes, in Ípsilon de O Público de 4/4/2008).

Citando de novo Lobo Antunes, o António, in Alentejo Ilustrado de 14/12/2007: "Publica-se o lixo, porque o lixo dá dinheiro. E as pessoas compram e dizem: é para me distrair ... A literatura para mim, enquanto leitor, é um acto de conhecimento e aprendizagem ..." Para mim , também! Por isso, não alinho com os Grossistas de Palavras a que se refere Alice Vieira no seu artigo publicado no JN do passado domingo 13/4.

Ora, o Graça Abreu não é nenhum Grossista de Palavras e as teses (factos) que descreve no seu Diário da Guiné, porque, ao arrepio das correntes dominantes, são no mínimo incomodativas, quiçá (!) irritantes para muito boa gente.

Merecem contudo ser escrutinadas por todos quantos se interessam por este assunto e, acima de tudo, pela verdade. E existem duas fortes razões para isso:

1ª - Os dados biográficos deste Autor, revelam-nos que política e filosoficamente ele se encontrava nos antípodas do pragmatismo ou realpolitik do Estado Novo, relativamente ao envolvimento do nosso país numa guerra em África.

2ª - Pelas funções que desempenhou, nenhum outro Blogger que eu conheça, esteve tão perto dos centros de informação, planeamento e decisão, naquilo que à actividade operacional concerne, em tão vasta área do território da Guiné.

Entendo assim, que lhe deve ser atribuído todo o tempo de antena de que necessite para esclarecer aqueles que querem ser esclarecidos. Para que a história que os nossos netos hão-de ler, não seja escrita sempre pelos mesmos.

Tenho dito, por hoje!

Com um abraço à Tertúlia, peço publicação urgente.

Vitor Junqueira
2. Comentário de L.G.:
Meu caro Vitor: Um pedido teu é uma ordem. Já fazes parte do conselho dos homens grandes, sábios, deste blogue (Se ainda não existe essa figura, vamos criá-la no nosso próximo encontro, em Monte Real...), com liberdade de circulação pelo nosso banco de urgência... Estás isento de passar pela triagem de Manchester, é um privilégio teu...
Eu próprio me apercebi de que, mais uma vez, houve aqui um défice de comunicação. O eterno problema humano da (in)comunicação e da atribuição de sentido a pequenas coisas que, de per si, não têm sentido... O António Graça de Abreu foi apenas vítima - desta vez foi ele - da nossa incapacidade (humana, física, mental, organizacional, real) de dar resposta, em tempo útil, ao enorme fluxo de correspondência que nos chega... À nossa escala, modesta, somos vítimas do nosso pequeno sucesso... Somos amadores, temos as nossas vidas, pessoais e profissionais, somos apenas três (LG, CV, VB...), cada um com dois braços e uma cabeça, com computadores que também bloqueiam às vezes, e ainda por cima, vivendo em sítios separados, um no norte, dois no sul...
Acredita que nunca me/nos passou pela cabeça discriminar ninguém, muito menos pelas suas ideias ou opiniões. Faço gala em proclamar e assegurar (ou tentar assegurar) o saudável pluralismo político-ideológico - à falta de melhor palavrão - no nosso blogue. Não tenho, nem quero ter, nenhuma visão do mundo, da história, da sociedade, a impôr aos outros, e muito menos aos amigos e camaradas da Guiné... É contra o meu feitio e a minha formação de sociólogo. Posso é ser acusado, mais por omissões do que por acções, de não saber manter o difícil equilíbrio entre tendências, grupos, sensibilidades... O mesmo se passa com os meus/nossos co-editores, que eu convidei pessoalmente, baseado apenas no conhecimento pessoal das suas competências e disponibilidade para o cargo... Repara que nem sequer são do meu tempo de Guiné... Não lhes pedi sequer para me responderem a nenhum teste de selecção... Nem muito menos andei a vasculhar o seu Curriculum Vitae...

Bom, vejo que temos que criar aqui, também, a figura do provedor do blogue... E faço uma sugestão à Tabanca Grande: que o primeiro provedor sejas tu ! Não como castigo, mas como prémio... Por mérito, pela maneira desassombrada com que defendes os teus pontos de vista e nos alertas contra o risco do politicamente correcto e do socialmente desejável...

Meu querido camarada e amigo Vitor: Tens direito a ter dúvidas e a expressá-las. Tens direito a discordar e expressar, no teu/nosso blogue, com maior ou menor elegância, as tuas divergências de pontos de vista. Mais: tens direito a expressar a tua mágoa, revolta, frustração, impotência, quando for caso disso... Nada mudou desde o teu black out informático. Crescemos, acho que estamos mais maduros como grupo, temos sabido co-existir e conviver com as nossas diferenças e semelhanças ...

Quanto a mim, que raramente me queixo, em público, nesta nossa caserna virtual, devo dizer-te que só não aprecio as insinuações, os juízos de intenção, as bocas, as generalizações abusivas, os juízos de valor, os preconceitos sumários... Nem sempre publico/publicamos tudo o que chega à minha/nossa caixa de correio... Não é o caso do António Graça de Abreu, que é de resto um especialista em literatura chinesa, um apaixonado sinófilo, um consagrado tradudor, um notável poeta e escritor, um intelectual e um camara que prestigia o nosso blogue, a nossa tertúlia... Mas acredita que não há (nem poderá haver) censura: limitamo-nos a respeitar e a fazer respeitar a nossa linha editorial, ou melhor a nossa ética bloguística....

Estas e outras questões têm sido cautelosa, discreta, sabiamente discutidas entre nós os três, via email (LG, CV, VB)... Ainda há dias escrevia eu aos meus queridos co-editores, o Carlos Vinhal e o Virgínio Briote, que têm dado provas de uma infinita paciência, generosidade, sabedoria, discernimento, dedicação e lealdade, para além de toda a amizade e camaradagem com que me distinguem:

"O blogue não é nosso, é de camaradas e amigos da Guiné que confiam em nós, por que somos pessoas honestas, consistentes, éticas... Isto é, temos valores, temos um código de ética, temos uma linha editorial... E mais: somos (ou queremos ser através da nossa prática) diferentes de muitos blogues que por aí há, na Net, de gente ressaibiada, fodida, azeda, que está mal com a vida e com o mundo... Não nos furtamos ao diálogo, à reflexão, ao debate de ideias, mas não procuramos o sangue, a polémica, o conflito"...

Acredita, Vitor, que nem sempre é fácil gerir alguns conflitos que nestes três anos de existência do blogue surgiram. Contam-se pelos dedos. Mas aconteceram. E num ou noutro caso eu não consegui resolvê-los da maneira que eu gosto (ou que pelo menos ensino aos meus alunos), que é quando nenhuma das partes, envolvidas numa negociação, se sentem no final perdedoras... Defendo que, na maior parte das situações, é possível ganharmos todos... Nas equipas, nos grupos, nas organizações...

Num ou noutro caso, eu não tive a inteligência emocional suficiente, o talento, a paciência, o conhecimento, a competência, para impedir que dois ou três camaradas se tenham ido embora da nossa Tabanca Grande... Devo dizer que não sou favor do unanimismo, mas sim do consenso. Consenso não é unanimismo. Consenso é discutirmos e estarmos de acordo sobre o essencial. É trabalharmos e cooperarmos com base no que nos une, sem descurar, escamotear, ignorar ou desprezar as nossas reais diferenças. Quanto ao resto, todos temos o direito de cultivar a diferença. Muitas vezes é apenas uma questão de estilo...

O António Graça de Abreu não é um exemplo de assiduidade, mas ele sabe que a nossa Tabanca Grande não tem portas nem janelas, que ele pode entrar e sair sempre que quiser. Aguardo, portanto, o texto que ele me/nos prometeu, e em que ele poderá desenvolver o seu pensamento sobre a nossa honra militar. É um debate em que, pessoalmente, não entrarei. Não me interessa (nem sou competente) em discutir um questão que - salvo o devido respeito a quem pensa doutro modo - eu considero bizantina: se a guerra estava ou não estava perdida militarmente, do nosso lado...
Só falo (ou só gosto de falar) do que vivi, vi, observei, experimentei, estudei, investigei... Em 1973/74 eu não estava na Guiné... Não quer dizer que eu não aprecie o ponto de vista dos que estavam lá. Como o António Graça de Abreu. Ele, sem dúvida, pode falar de cátedra sobre este tema.
Este comentário já vai demasiado longo. Espero poder abraçar-te em Monte Real. Beijinhos às tuas meninas. Teu camarada, Luís.
___________

Notas de L.G.:

(1) Vd. poste de 11 de Abril de 2008 >
Guiné 63/74 - P2750: Ói pessoal ou o regresso do filho pródigo (Vitor Junqueira/Carlos Vinhal)

(2) Escrevi há tempos um poema - um draft de poema, se quiserem! - sobre o sistema de triagem de Manchester, depois de uma noite no hospital, com a minha mãe, de 86 anos, que já tem sinais da doença de Parkinson... O Vitor, que é médico, conhece bem o que é o sistema... Outros amigos e camaradas que me estão a ler agora, poderão ter curiosidade em saber do que é que se fala...

Vd. poste de Domingo, Fevereiro 10, 2008 >
Blogantologia(s) II - (64): A triagem de Manchester ou o paciente português




(...) Há um português emergente
em cada dez.
Vermelho.
Doente. Paciente. Dormente.
Pouco ou nada eloquente.
Diz o sistema de triagem de Manchester.
Há um português urgente
que vem na ambulância da emergência pré-hospitalar.
De um triste lugar ao sul.
Há um português laranja,
que fica em segundo lugar.
O resto não conta,
são amarelos,
fura-greves,
racha-sindicalistas,
proletas,
marretas,
hipocondríacos,
queixinhas,
maus contribuintes,
cidadãos de segunda,
gente que não presta,
gente de baba e ranho,
pouca honesta,
que fuma e que bebe e que come,
e não ouve o Pádua
a dizer que no andar é que está o ganho (...)


(3) Vd. poste de 14 de Abril de 2008 >
Guiné 63/74 - P2760: Notas de leitura (8): Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros... ou a guerra que não estava perdida (A.Graça de Abreu)
tertúlia, pluralismo

1 comentário:

Anónimo disse...

Só para dizer que aquilo que o A. Graça de Abreu diz no seu texto, ando eu a dizer há uma "porrada" de tempo, em comentários e textos aqui deixados.

Abraço camarigo
joaquim mexia alves