sexta-feira, 4 de abril de 2008

Guiné 63/74 - P2718: Fórum Guileje (11): Relembrando a velha Guileje do Zé Neto e do Eurico Corvacho, onde perdi 2 soldados em combate (Idálio Reis)


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > A capela do aquartelamento, assinalando-se, a vermelho, a lápide que estava afixada na parede exterior, e que vinha lembrar que Guileje era uma terra de fé e de coragem (1). Fotos do saudoso Cap Ref José Neto (1929-2007).

Fotos: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007) / © AD - Acção para o Desenvolvimento (2007). Direitos reservados.



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Antigo aquartelamento de Guileje > Simpósio Internacional de Guileje > Visita ao sul > 1 de Março de 2008 > O que resta da capela, erigida pelos homens da CART 1613 (Junho de 1967/Maio de 1968), a companhia do Zé Neto e do Eurico Corvacho, dois nomes aqui justamente evocados pelo Idálio Reis. A lápide que foi encontrada, em 2005, sob os escombros do antigo aquartelamento, pertencia à capelinha. Nela havia/havia os seguintes dizeres, gravados:

"A Ti, Deus Único E Senhor / Da Terra, Oferecemos Estas / Gotas De Suor Que Nos / Sobrararam da Luta Pela / Tua Palavra Eterna. /Soldados da C.A.R.T. 1613".

Sabemos, pelo depoimento do nosso saudoso camarada Zé Neto, que a placa da Capela foi feita em cimento forte, que a dedicatória era da sua autoria e que a inscrição em baixo-relevo foi obra do Furriel Miliciano de Transmissões Maurício Mota de Almeida, natural de Fornos de Algodres, radicado há muito nos EUA (Veio de propósito a Portugal para estar presente no Almoço/Convívio da CART 1613 que teve lugar em Braga no dia 3 de Junho de 2005) (1).


1. Mensagem do Idálio Reis, com data de 15 de Março:

Meus caros Luís, Vinhal e Virgínio.

Aquando do Simpósio [Internacional de Guiledje] e da passagem [dos participantes ] por Ponte Balana e Gandembel, julguei que a efeméride merecia um singelo 'escrito´da minha parte. Porque o mesmo não foi publicado, considero que será melhor fazê-lo reenviar.

Um abraço do Idálio Reis


Assunto - Simpósio de Guileje

Um singelo e gratificante contributo para os que se lembraram da minha pessoa e dos que comigo partilharam aqueles intensos dias de Gandembel/Ponte Balana.
Um bem-haja do Idálio Reis.



Fórum Guileje (2): Vou dispor de um cantinho em Guileje, para que um antigo combatente, no calcorreio dos seus chãos de outrora, escute e olhe para relembrar. Das crónicas do Luís Graça e de depoimentos pessoais de alguns companheiros, fico imensamente feliz ao constatar que o Simpósio de Guiledje mostrou ser, reconhecidamente, um marco importante na história soberana do povo irmão da jovem Guiné-Bissau.

Em zona onde a guerra travada pelos 2 contendores, arrostada em constante e acirrada premência, quanto cruel e pungente, que os testemunhos dos que nela se viram coagidos a participar não enganam, sentir forças-vivas de um pobre país, passadas mais de três décadas, a organizarem um ponto de encontro de sublime transcendência, é nobre feito por quem o ousa suplantar, dadas as características do seu reconhecimento e que só a singularidade patenteia.

Não se julgue, contudo, que o contexto desta realização não tenha um cunho de cariz político. Procurou-se que o acontecimento extravasasse as fronteiras, e eis que felicito veementemente o editor deste Blogue, ao estar desde sempre mancomunado com a sua organização.

Mas é insofismável que a Guiné-Bissau dá mostras que deseja estar com os seus combatentes, mesmo que nós tenhamos de reconhecer a sua negra sombra pelo estigma do morticínio dos que serviram o exército colonial a seguir à independência.

Quem viveu naquelas paragens do Sul do País, tem de reconhecer que só uma força militar forte, organizada e disciplinada, consiga gizar uma estratégia de ímpar sucesso, comandado por um guerrilheiro de estirpe, mas sem nome, pois que os sucessos obtidos foram partilhados por um povo em armas, através do seu braço armado: o PAIGC. E esta frente militar, teve efectivamente um líder de enorme estatura, Amílcar Cabral, com a sua figura de relevo a prevalecer no Simpósio.

Ao invés, todos somos capazes de reconhecer que os nossos estados-maiores sitiados em Bissau procuraram escamotear uma grande fracção dos factos militares ocorridos no CTIG.

No 1º ano da comissão, em 1968, a minha Companhia [ a CCAÇ 2317,] esteve muito certamente num dos piores locais da Guiné. Todavia, quem for ao Arquivo Histórico Militar e compulsar o seu historial, peremptoriamente nega tal asseveração.

A guerra que travámos, está repleta de desastres fatídicos que ineptos ou obstinados não quiseram ou souberam antever. Muitos e muitos, fomos servos numa guerra impiedosa, porque dependentes de alguns suseranos sem valia.

Mesmo nesta era pós-25 de Abril, ingloriamente sentimo-nos cada vez mais frustrados, pois o nosso protesto já esmorece, parecendo que o bafiento “a bem da Nação” ficou a perdurar. A estrutura militar que prevaleceu, pareceu arredar os melhores, e em pouco se alterou. Honras às poucas excepções que ainda vigoram.

Mas deixem-me regressar atrás 40 anos precisos, à velha Guileje do Zé Neto e do Eurico Corvacho, por onde passei alguns dias e impiedosamente perdi 2 soldados em combate. Hoje, na pujante mata do Cantanhez, foi reabilitado um aldeamento indígena e do desenrolar da sua implementação não é esquecido o soldado do exército colonizador, a quem lhe é atribuído um dos seus cantinhos.

Sem vencedores ou vencidos, o povo guinéu abre os seus corações, para nos receber fraternalmente, em franco e são convívio, numa amplexo aberto e carinhoso. Há mesmo um só vitorioso: a vida em liberdade.

Era pois previsível que o Simpósio de Guileje iria ter um retumbante sucesso. Lamentavelmente, sinto um profundo vazio por não poder estar presente, tanto mais que um numeroso grupo de companheiros tiveram a possibilidade de percorrer as minhas pisadas de outrora.

A passagem para o outro lado do inebriante rio Balana foi entusiasmante, que julgo estar inserida quase no mesmo local que então atravessávamos. Os vestígios do destacamento de Ponte Balana vão-se transformando em poalha, porquanto a força da mãe-natureza assim o determinou.

E fez-se uma primeira pausa, e o Luís fez uma douta descrição, que o meu SPM 4738 registou com enlevo. Porém, a fotografia das lavadeiras no Balana causou-me uma incontida estupefacção, e absorto fitei-a e um há um comovido encantamento que trespassa.

Luís, agora o remanso das águas rumorejantes do Balana, com a presença resplandecente daquelas mulheres que de todo não existiam, tornar-se-á mais refulgente. Esta suavidade cândida e doce, é o maior sinal da conciliação, o sinal de paz atingido no seu zénite.

Gandembel, em ruínas, também lá está, já sem o eco das canhoadas ou das morteiradas, que a letra do hino superiormente recriado pelos Furkuntunda tinha traduzido em alegria africana.

Mas na minha (nossa) taciturna Gandembel, fustigada em tão pouco tempo, cansou e parece adormecida num sono lânguido e profundo. Talvez haja ainda por lá, ecos abafados de passos incertos a vaguear…

José Teixeira, que a planta que lá deixaste, cresça, se revigore e perdure. O teu generoso gesto e a bela e brilhante mensagem que proferiste, tocaram-me profundamente (sou um piegas, sabes!), e prometo-te que vai ser difundida por aquela plêiade de homens que já tiveste o ensejo de conhecer.

Mas sobre Gandembel, tenho um pedido feito ao Pepito, que gostaria de ver concretizado: o de juntar ao acervo do Núcleo Museológico de Guileje, um dos pilares metálicos das casernas-abrigo e a lápide de betão com o emblema da Companhia. Seria um parco contributo do espólio da CCaç 2317, como forma de perpetuar a memória de todos os que por aquele lugar, batalhando, tombaram para sempre. De ambas as partes beligerantes, foram muitos seguramente, mais do que tomámos conhecimento.


E ao terminar, apenas um breve comentário.

Poderá haver divergências quanto ao papel que coube à Tabanca Grande a este Simpósio. Julgo que até é positivo haver uma ou outra dissonância, sinal maior da enorme abrangência da nossa Tertúlia.

No cômputo geral de toda a guerra, aérea, terrestre e naval, fomos sempre demasiado poucos e com exíguos meios à disposição, mesmo com o território a apresentar frentes de batalha com algumas diferenciações.

Todos desempenhámos uma acção que nos enobrece, com os múltiplos riscos que lhe eram obviamente inerentes. Mas a odisseia de Guileje, e o Simpósio veio demonstrar isso, conduz-nos mais uma vez à mesma triste conclusão: fomos vítimas de uma guerra escusada.

A toda a Tertúlia, mas muito em especial aos que participaram no Simpósio, um caloroso abraço do Idálio Reis.

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Notas de L.G.:

(1) Vd. postes de:

14 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXVII: Guileje, terra de fé e de coragem (Luís Graça)

3 de Fevereiro de 2006> Guiné 63/74 - CDXCVII: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto)(5): ecumenismo e festa do fanado


(2) Vd. últimpo poste desta série: 25 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2679: Fórum Guileje (10): Não ao endeusamento do PAIGC e ao apoucamento das Forças Armadas Portugueses (Joaquim Mexia Alves)

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