quarta-feira, 19 de março de 2008

Guiné 63/74 - P2665: Poemário do José Manuel (4): No carreiro de Uane... todos os sentidos / são poucos / escaparão com vida ? / não ficarão loucos ?






Guiné > Região de Tombali > Simpósio Internacional de Guiledje > Visita ao sul > 3 de Março de 2008 > Imagens, eternas, do Rio Corubal: rápidos do Saltinho (a primeira, de cima); rápidos de Cusselinta, as restantes.

Fotos: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.


1. Mais poemas do dia, do José Manuel, recebidos, dia a dia, ao longo de uma semana, de 8 a 15 de Março de 2008. Foram escritos na Guiné. Estavam guardados no baú do sótão. O José Manuel foi Fur Mil, Op Esp, CART 6250, Mampatá, 1972/74. Obrigado, camarada, por quereres partilhar connosco a tua escrita poética.

Já nada é igual
num mundo que cai
onde havia esperança
espreita o mal
é uma vida que se vai.

Salancaur 1973

josema
__________

A escuridão
pode não ser o fim
se após a noite
vier o dia
na escuridão
podemos encontrar estrelas
se depois de nós
houver sempre crianças.
josema
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Pensar que amar é dor
é não amar
amar
é dominar
a violência
que há em nós
é um não á guerra
é não haver polícias
nem milícias
é procurar carícias
num prazer por acabar
josema
Guiné 1973
________

-Sabes? Sonhei
que as coisas boas
não acabaram
pois
não têm fim
acreditei
que vale a pena esperar
vale a pena
saber
que o nosso inferno
um dia
vai acaba
o maldita
ou a má sina
como lhe queiras chamar
havemos de enganar
juro-te
sinto dentro de mim
confiança
uma força renovada
-dos tolos! dizes tu
-seja, porra,
mas vale a pena
pois 'tou
farto de escutar
aquela voz
que tanto quero calar
‘tou farto de lamentar
este destino traçado
foda-se!
quero um futuro
marcado
com traço
por mim riscado.

Kolibuia (2) 1973
Josema
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Seria bom pronunciarnuma doce ilusão
um até sempre
a dor atenuar
com um tímido
acenar de mão
não deixar
que a crueza da razão
se sobreponha à paixão
é bom sonhar
é bom esquecer
ou então nunca saber
que só nos pode ficar
um adeus como opção.

Guiné 1973
___________

Quero sonhar
e não consigo
viver um mundo
que não tenho
nem encontro
desejo amar
e não morrer
quero esquecer
a luta ódio
e não sentir
a amargura do suor
encontrar a paz
enterrar a dor
sim irmão
além no horizonte
bem longe
para lá daquele monte
mas o mundo ri
é louco
não vê
nem um pouco
e caminha para o fim.

Guiné 1973
_________________

Gostava de vos falar
dos esquecidos
dos heróis que a história
não narra
que as viúvas choraram
mas já não recordam
daqueles
que nem tempo tiveram
de ter filhos
que os amassem
descendentes
que os lembrassem
daqueles
que nunca tiveram
o dia do pai
vítimas de guerras
que não inventaram
em tempo que já lá vai
falar deles é prevenir
se bem que de nada lhes valha
de guerras que possam vir
geradas pela ambição
dos que nunca morrerão
num campo de batalha.
__________________

Olhos semi cerradosquerendo ver
para além das árvores
passo controlado
procurando caminho
já calcado e pisado
orelhas a pino
a querer ouvir
além da neblina
todos os sentidos
são poucos
escaparão com vida?
não ficarão loucos?

Carreiro de Uane 1972
josema
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Notas de L. G.:

(1) Vd. postes anteriores:





(2) Colibuía: povoação junto ao Rio Corubal, perto de Aldeia Formosa ou Quebo, que não consigo identificar na Carta do Xitole. Vd. poste de 26 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXVIII: Os rios (e os lugares) da nossa memória (2): Corubal (Saltinho e Contabane) (José Neto)

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