segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Guiné 63/74 - P2466: Ser Solidário (1): Pe. Almiro Mendes, Pároco da freguesia de Ramalde, Porto, partiu hoje de jipe, para a Guiné-Bissau

O Pe. Almiro Mendes, pároco de Ramalde, Porto (à direita), acompanhado do nosso camarada Xico Allen (à esquerda), junto ao jipe que seguiu para a Guiné-Bissau, pela rota do Dacar (ligando Portugal, Espanha, Gibraltar, Marrocos, Mauritânia, Senegal, Gâmia e Guiné-Bissau), numa missão de solidariedade. Ao todo será uma viagem de 3.352 quilómetros, do Porto a Bissau.

Foto retirada da página da Agência Ecclesia, com a devida vénia

1. Padre Almiro Mendes, um amigo da Guiné-Bissau

Em 20 de Outubro de 2007, foi feito o lançamento, na Igreja Nova de Ramalde, freguesia do Porto, do livro «Sinfonia das Palavras Íntimas», da autoria do pároco de Ramalde, Pe. Almiro Mendes (ordenado sacerdote há 18 anos).

Trata-se de um livro, constituído por um conjunto de 264 textos e fotografias que retratam a sua experiência como missionário na Guiné-Bissau, entre os meses de Setembro de 2005 e Setembro de 2006.

Além de querer partilhar a sua vivência na Guiné-Bissau como homem e como missionário, Almiro Mendes teve como principal objectivo angariar de fundos para a compra de uma viatura que pretende oferecer aos Missionários que trabalham na Guiné-Bissau. A venda dos quatro mil exemplares do livro vão também permitir, além da compra do jipe, financiar a abertura de poços de água potável e apoiar a educação e alimentação de algumas crianças órfãs, segundo o Padre Almiro Mendes referiu à Agência Lusa.

A viagem do referido carro ficou marcada para o dia 21 de Janeiro de 2008. E, como planeado, o Padre Almiro Mendes lá seguiu hoje, no jipe, por via terrestre, com mais acompanhantes - entre eles duas enfermeiras - a caminho da Guiné-Bissau, que espera atinguir dentro de oito a dez dias. O acontecimento teve honras de telejornal (RTP1, 13h).

Ainda segundo a Lusa, na bagagem, o pároco de Ramalde leva também material informático, um computador, uma fotocopiadora, medicamentos material escolar e um gerador. O sacerdote é acompanhado por mais seis pessoas, quatro do Porto e duas (enfermeiras) que partem de Lisboa, noutro jipe... Todos os participantes têm experiência de missões em África.

Segundo informação do A. Marques Lopes, o nosso querido amigo e camarada Xico Allen (vd. foto acima) também teria seguido nesta caravana, devendo voltar de novo à Guiné-Bissau no dia 24 de Fevereiro a tempo de participar no Simpósio Internacional sobre Guileje. A todos os nossos amigos e camaradas que participam nesta caravana de amizade e solidariedade - a começar pelo Padre Almiro Mendes - desejamos que bons ventos os levem e que bons ventos os tragam. E que a sua missão seja coroada de êxito e decorra em segurança. O nosso coração vai com eles.

Os editores, LG/VB/CV


2. Do Padre Almiro Mendes publica-se, a seguir, um belíssimo texto, que merece honras de antologia. É um hino de amor à Guiné e ao seu povo. (Bold, da responsabilidade dos editores)


Ecos de uma experiência Missionária na Guiné,
por Almiro Mendes

Quando foi acordada com os Espiritanos e com o meu Bispo a minha ida para a Guiné, não sabia que partir era tão difícil!

Partir obriga a sufocar aquela voz que teima em gritar dentro de nós o imperativo fica;

Partir implica soltar amarras do porto das nossas seguranças e fazer-se ao mar do desconhecido em barco de insuficiências adivinhando tempestades sem que para elas se esteja totalmente preparado;

Partir é partirmo-nos por dentro e darmos a Deus os bocados da fragmentação;

Partir é vencer a indecisão com a decisão e ganhar a batalha travada com o velho do Restelo expulsando-o da nossa pátria interior desfraldando a bandeira da nossa liberdade;

Partir é, como Maria, ouvir o Anjo interior, dizer-lhe SIM sem entender o mistério todo e pôr-se a caminho para levar aos outros o Amor de que estamos fecundados;

Partir não é fácil e obriga a pôr um pescoço de aço para evitar que a cabeça rode e olhe para trás.
Partir para a Missão na Guiné não foi uma canção de embalar, mas uma descolagem mais dolorosa do que aquilo que eu pensava, que veio a revelar-se um dom ainda mais extraordinário do que aquilo que eu tinha imaginado e que só agora vou compreendendo e agradecendo a Deus.

Se partir foi difícil, chegar e ficar não o foi menos. As saudades, o calor, que na Guiné é insuportável, os mosquitos que são um verdadeiro tormento, o receio de ficar doente, o volume das ocupações e preocupações, a avalancha dos violentos assaltos às missões, o falecimento da minha irmã e logo a seguir a morte do meu pai, fizeram com que os primeiros tempos na Guiné implicassem uma dose acrescida de fé e de força interior.

Mas, de tudo, o que mais me custou foi ver o sofrimento dos guineenses. Na Guiné não há, como em Portugal, rendimento mínimo. Podia haver, ao menos, sofrimento mínimo. Mas não. Na Guiné só existe sofrimento máximo e moderado. Depende da sorte. E ambos estão garantidos para os próximos tempos, pois não consta, para já, a falência do sistema político que apouca aquela gente e tolhe aquele povo.

Falo das dificuldades apenas para ser fiel à história dos meus dias passados na Guiné, mas é-me particularmente feliz referenciar as vantagens, as alegrias e as graças vividas.

Este tempo em África foi o mais incrível e talvez o mais extraordinário da minha vida de sacerdote. Foi, verdadeiramente, um dom de Deus, uma graça que muito agradeço.

Estar na Guiné possibilitou-me ser fiel testemunha de que os Missionários, com parcos recursos mas grande criatividade e sobretudo infinita generosidade, contribuem, em grande parte, para as soluções necessárias ao desenvolvimento daquele país, para a felicidade daquelas gentes e para a dilatação da fé e consistência da Igreja;

Estar na Guiné levou-me a constatar que nunca ninguém fez tanto com tão parcos recursos como os Missionários. Eles são estafetas olímpicos a transportar mais além o facho da beleza da vida, da fé e da esperança;

Estar na Guiné fez-me perceber que a maior parte dos políticos (os de lá como os de cá), com os seus desvarios, vestem de pobreza os corpos frágeis das pessoas e desnudam, sem pudor na consciência, a alma nobre de um povo;

Estar na Guiné e conviver com dois bispos simples mas extraordinários, fez-me concluir que embora muito possa significar a pompa na Igreja, para pouco presta ou para nada vale;

Estar na Guiné ajudou-me a descobrir que as várias Missões dos Espiritanos e das Espiritanas são Oásis num deserto de soluções e possibilidades;

Estar na Guiné deu-me a certeza de que a nossa compaixão pelos que sofrem, mesmo se demasiada, é sempre pouca, pois a dor dos que padecem, mesmo que pequena, é sempre mais do que aquilo que merecem. Na Guiné não é possível divorciarmo-nos da compaixão. Lá, onde a gente se fere não é nos nossos problemas e nas nossas dores, mas nas dores alheias. Lá habita-nos a angústia que a dor de tantos desafortunados nos provoca;

Estar na Guiné possibilitou-me a experiência feliz de acolher os que sofrem, ajudá-los, amá-los e vê-los partir aliviados ficando eu a gemer por dentro;

Estar na Guiné fez-me entender melhor a idiossincrasia da Igreja;

Na Guiné tive a possibilidade de rezar mais e fazer silêncio. O silêncio é um nada que em mim é um quase tudo. Faz parte da essência da minha alma que fica à deriva quando o não tem como hóspede.

Estar na Guiné deu-me, enfim, novas prospectivas e abriu-me novos horizontes…

Estar na Guiné, julgo poder dizê-lo, tornou-me mais humano, talvez mais espiritual, pelo menos fez-me ficar um padre diferente.

Se o partir de Portugal não foi uma canção de embalar e se o chegar e ficar na Guiné não foi fácil pelas circunstâncias já descritas, embora se tenha revelado a experiência mais incrível da minha vida, o regressar a Portugal foi ainda mais difícil:

Vim, mas deixei-me lá.

Vim, mas trouxe as tatuagens de sofrimento daquela gente.

Estou aqui na civilização e nas seguranças que a Europa e Portugal me dão, mas desejava estar lá nas dificuldades daquele país e nos perigos daquela terra.

O adeus que disse à Guiné foi embrulhado num vendaval de emoções. Foi um adeus escrito com letras dolorosas e que me deixou os olhos marejados de saudade. Foi um adeus comovido. Sinto que amo para sempre a Guiné que agora me foge.

Quem chega à Guiné atraca num cais de mistérios, mergulha numa beleza rara e indizível, veste-se de paisagens ímpares e irretratáveis, mas também se vê envolvido numa noite de dramas e sofrimentos incomensuráveis. Depois, quando temos de soltar amarras e de lá partir, vestimo-nos como que de uma paixão secreta e levamos os olhos impregnados de memórias e significações que pintarão com as cores da saudade a tela dos nosso dias futuros. E, como que assolapada, teima em vir connosco a vontade de um dia lá voltar.

Esta minha aventura missionária na Guiné teve contornos que a memória apanhou e eternizou e provocou emoções que a recordação chora com saudosas lágrimas douradas.

Agradeço a Cristo, o Missionário do Pai, este dom tão inolvidável que me concedeu e rogo a Maria, Rainha das Missões, a Sua bênção de Mãe para o querido povo da Guiné.

Padre Almiro Mendes, Diocese do Porto, 05/09/2006

Agência Ecclesia

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