segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Guiné 63/74 - P2325: Massacre do Chão Manjaco: Todos iguais na morte, mas nos relatórios uns mais iguais do que outros (João Tunes)

Guiné > Região de Tombali (Catió) > Rio Cumbijã > Junho de 1970. Em primeiro plano, o Alf Mil Trms, que pertenceu inicialmente à da CCS do BCAÇ 2884, Pelundo, 1969/70; transferido depois para o batalhão de Catió, por razões disciplinares de que muito se orgulha: foi punido pelo Ten Cor Romão Loureiro (1) .


Foto: © João Tunes (2005). Direitos reservados.



1. Mensagem de João Tunes:

Camaradas,

Considero um excelente contributo, para o registo da guerra colonial, o relatório secreto transcrito no post P2320 sobre o massacre no chão manjaco (2). E se um dia se puder obter o relatório do PAIGC sobre a mesma acção, teremos uma visão clara e objectiva sobre um dos acontecimentos mais traumáticos na vertente psico da guerrilha/contra-guerrilha verificada nos teatros de operações onde, em treze anos de guerra, se verificou o estertor do multi-secular império colonial português. Muitos parabéns, pois.

Para além do enquadramento objectivo do resultado do massacre que se obtém pelo relatório militar publicado, um aspecto singular nele me chamou a atenção e que julgo ter implicações óbvias de leitura. Quanta retórica de indignação nós não gastamos a enaltecer uma presumida igualdade de todos os que, sob a bandeira portuguesa, se bateram pela continuidade da soberania portuguesa (militares do quadro, militares milicianos, guineenses integrando ou apoiando a tropa portuguesa).

No entanto, repare-se que o relatório, quanto às baixas (os sete assassinados), não esquece as devidas distinções de consideração no trato, pois que, entre os sete caídos em missão, na mesma missão, até na morte foram desiguais no trato militar: 3 (três) eram “Ex.mo Major”, 1 (um) era “Sr. Alferes” e 3 (três) eram “nativos”.

Enquanto no realce aos três militares que se destacaram na acção da CCAÇ 2586, o primeiro cabo e os soldados como tal são nomeados, sem direito a Excelência ou a Sr. (mas sem a carga preta de serem nomeados como nativos). Presumindo-se que todos, das excelências até aos nativos, eram cidadãos de Portugal do Minho a Timor, as distinções são, pelo menos, paradoxais. Mas relevantes.

Fiz o meu modesto elogio a este excelente post no meu blogue [e que se reproduz a seguir, com a devida vénia. L.G.]

Abraços para todos os estimados camaradas.

João Tunes


2.
Blogue de João Tunes (Ano V na Blogosfera) > Água Lisa (6) >1 de Dezembro de 2007
Quando a Guerra Correu Mal, Muito Mal


Um dos episódios mais dramáticos que o absurdo da guerra colonial implicou, em preço de sangue e emoção, para as Forças Armadas portuguesas, foi o massacre de quatro oficiais portugueses e três guineenses ao serviço do exército colonial, ocorrido junto ao quartel do Pelundo no centro-norte da Guiné, em Abril de 1970. Não pelo número de baixas, pois houve combates com muitas mais vítimas do lado português, mas por quatro ordens de razões: o número de oficiais superiores entre as vítimas; a qualidade militar dos três majores (faziam parte da elite do corpo de oficias sob comando de Spínola e contavam-se entre os melhores especialistas militares em contra-guerrilha); terem sido assassinados não só com requintes de crueldade como se encontravam desarmados; o volte-face que representou esta acção do PAIGC (a missão destinava-se a receber a rendição de forças do PAIGC e era o culminar de longas negociações e de acção de aliciamento) em que uma prevista rendição de guerrilheiros se transformou num golpe profundo que liquidou três oficiais portugueses de elite e acentuou o caminho para a guerra total.

Aqui [no Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] acaba de ser editado o relatório militar secreto da força operacional que fez a recolha dos corpos dos massacrados e que saiu do quartel do Pelundo em acção militar desencadeada após tardar o regresso da força que ia receber a rendição da força do PAIGC (e para a qual se previa a sua integração no exército português).

Trata-se de um documento de grande importância no esclarecimento sobre as partes dramáticas vividas na guerra colonial, incidindo sobre um dos seus episódios mais traumáticos. De consulta obrigatória para os interessados em saber como elas mordiam, mesmo quando a miragem de uma grande ou pequena vitória parecia estar frente aos olhos.

[Na minha comissão militar na guerra da Guiné, conheci e fiz amizade pessoal com os três majores massacrados, todos inteligentíssimos, destemidos, cultos e de formação humana excepcional, sendo o mais brilhante entre eles (Passos Ramos), o que acrescenta absurdo ao acontecido, um militar que era contra a ditadura e a guerra colonial. Em tempos idos, dediquei-lhes este post.](3) (4).

___________

Notas dos editores:

(1) 27 Novembro 2005 > Guiné 63/74 - CCCXVI: BCAÇ 2884 (Pelundo, 1969/71), o primeiro batalhão do João Tunes

(...) "Obrigado por finalmente teres avivado a minha memória, lembrando-me o número do meu Batalhão do Pelundo. É isso, BCAÇ 2884, sob comando desse Tenente-Coronel de pacotilha Romão Loureiro (antes da Guiné, o tipo havia feito a maior parte da sua carreira "militar" na União Nacional, tendo chegado a Presidente da Câmara de Viseu... e foi fazer aquela comissão para poder ascender a Coronel, mas [...] sabia tanto de guerra como eu sei da cultura de alcagoitas) (...).

(2) Vd. post de 1 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2320: Relatórios Secretos (1): Massacre do Chão Manjaco: O resgate dos corpos (Virgínio Briote)

(3) Vd. post de 11 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXLIX: Antologia (15): Lembranças do chão manjaco (Do Pelundo ao Canchungo)

(4) Outros textos do João Tunes publicados na I Série do nosso blogue, e que merecem ser relidos, pela qualidade da escrita e pela sua postura crítica:

31 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXXVII: A 'legenda' do capitão comando Bacar Jaló (João Tunes)

30 de Maio de 2006 > Guiné 63/74- DCCCXVIII: Confissões de um pacifista: A minha paixão pela bela Kalash (João Tunes)

27 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCV: O 'turra' Luandino Vieira recusa Prémio Camões (João Tunes)

24 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXCII: O limpo e o sujo, nós e os pides (João Tunes)

24 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXCI: Todos camaradas, mas uns mais do que outros ? A propósito do assassínio de Amílcar Cabral (João Tunes)

24 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXVII: Fazer a catarse antes de vestir a toga de juiz (João Tunes)

17 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXXVI: E os patriotas guineenses, torturados e assassinados em nome de Portugal ? (João Tunes)

17 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXVIII: Ainda sobre os fuzilados... ou comentário ao texto do Jorge Cabral (João Tunes)

12 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXLVIII: Vítimas e carrascos, amos e servos, sacanas e traidores (João Tunes)

4 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXXII: Onde é que vocês estavam em 22 de Novembro de 1970 ? (João Tunes)

25 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXI: Pelundo: Nº do batalhão ? Não sei, não me lembro (João Tunes)

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