quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Guiné 63/74 - P2052: Cusa di nos terra (5): Susana, Chão Felupe - Parte I (Luís Fonseca)

Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Varela > Iale > 2004 > Festa da saída da Cerimónia de Circuncisão (fanado, em crioulo) da etnia Felupe em Iale.



Conforme o prometido, aqui está o novo trabalho do nosso camarada Luís Fonseca, ex-Fur Mil de Transmissões (CCAV 3366/BCAV 3846, Suzana e Varela), sobre os Felupes e seus costumes.

Meu caro Luis Graça:

Depois do que li na mensagem recebida, devo dizer que me foi atribuída uma missão de enorme responsabilidade.

As notas tomadas ao longo de um período de tempo, cerca de dois anos, não poderão comparar-se com o conhecimento de alguém que sentiu e viveu o pulsar daquelas gentes. Refiro-me com todo o respeito e admiração ao Dr. Artur Augusto da Silva [, pai do nosso amigo Pepito].

Já agora vou tentar obter o livro Usos e costumes jurídicos dos Felupes da Guiné, da sua autoria. Certamente que, com a sua leitura, os meus parcos conhecimentos ficarão deveras enriquecidos, podendo igualmente desfazer algumas das minhas (ainda muitas) dúvidas.

Mas uma vez que fui eu quem abriu o jogo e não renegando as dificuldades, tentarei que algo de proveitoso possa merecer a vossa atenção.

E agora, se autorizado, vamos ao que aqui me trouxe: CHÃO FELUPE.





Guiné> Chão Felupe> Padrão

Não sei se o Pepito sabe, também, da existência de um marco que refere o local da primeira (?) casa felupe. Situa-se no caminho entre Suzana e o chamado porto novo (Rio Defename) onde embarcavam e desembarcavam as NT, depois de abandonado o porto velho por apresentar grandes dificuldades, no canal, com as marés.

Deixem-me dar nota que, quando soube do destino da minha unidade, ainda nas Transmissões (QG) onde passei alguns dias, me foi dito que a zona era relativamente calma mas com uma população meio esquisita. Mais ponto menos ponto o que o Carlos Fortunato transmite nas suas postagens.

O tempo viria a desmentir algumas, confirmar outras e acrescentar mais umas quantas.

É evidente que para um pira com penugem rala num mundo que não era o seu, com aquelas informações os receios aumentaram. De um IN atrás de cada árvore, passei a ter um IN mais um Felupe, não sabendo qual o que representaria maior perigo.

Tal deixaria de ocorrer passado algum tempo após a chegada a Suzana.

A minha primeira impressão foi a de ter chegado a um local que não fazia a mínima ideia de ainda existir, Bissau embora uma cidade pequena, tinha os seus subúrbios onde se deparavam algumas cenas pouco ortodoxas, na visão de um europeu. Todavia o que se me oferecia ver ultrapassava tudo o que seria expectável. Indumentária (?), dialecto (?,) homens com arco e flecha (?) os camaradas da 2538 (do capitão Rey Vilar, na altura já do Alf Mil Borlido) tinham inteira razão em terem adoptado "Os Alterados" como nome de guerra.

Uma das nossas grandes dificuldades era a língua, pois era sempre necessário um interprete, com os inconvenientes de uma tradução para creoulo e depois para português.

O dialecto Felupe, que acabou por dar ao povo que o fala o seu nome, é um dos dialectos djola falado na Guiné, sendo o outro o bayote, o djola é uma das vinte e quatro línguas diferentes faladas entre o rio Gâmbia e o baixo Casamance, integradas segundo creio no grupo guineo-senegalês.

Mas algo saltava à vista, mais notório depois do período de sobreposição que terminou a 31 de Maio de 1971.




Guiné> Chão Felupe> Vencedor de uma luta

Para os Felupes havia duas guerras.

Uma com os senegaleses que insistiam em roubar vinho de cobiçar as badjudas.

A outra com qualquer intromissão no seu conceito de território fosse de quem fosse.

As NT serviam de polícia de uma fronteira que para eles nunca existiu, nunca se importando com a assinatura do Tratado de Berlim (1886), que politicamente os dividiu. Os trilhos existiam, as trocas comerciais faziam-se, existiam famílias que, dentro do espirito felupe, trabalhavam terras do lado de lá quando era necessário e as suas próprias butondas (bolanhas) na Guiné.

Aliás o arroz era a base da sua alimentação em face das condições propiciadas pelos terrenos alagadiços.

A nossa zona de acção (Suzana) estendia-se desde Colage até Varela, delimitada a Norte pela fronteira com o Senegal e a Sul pelo rio Cacheu, prolongando-se ambas, como é óbvio, até ao Atlântico.

Nesta área encontravam-se cerca de 20 povoações ou pequenos núcleos, alguns com menos de meia dúzia de moranças. Suzana, (nome de mulher) a mais populosa e sede da CCAV, Arame, Bugim, Ejatem, Cassolol, Cassolol Catétia, Cassolol Indiame, Caroai, Basseor, Sucujaque, Catões (Butame, Joninque, Cassica e Calenquim), Igim, Jufunco, Ossor, Bolor, Lala, Elia e Varela.

Pena que na excelente colecção de mapas, não exista o relativo à foz do Cacheu, abrangendo a Ponta de Jufunco e a Ponta de Bolor, e que englobaria alguns dos núcleos populacionais atrás referidos.

Organicamente a CCAV 3366, cedeu um GC para Antotinha (Ingoré) e outro para S. Domingos, quando esta povoação passou a ser considerada um alvo preferencial, face à sua localização na área de penetração para o chão manjaco (corredor de Campada), restando dois GC, um para Varela e outro para Suzana, que recebeu um reforço precioso em termos militares, o Pelotão 60 (Pel Caç Nat 60), constituído por elementos de etnia Felupe e que serviu para consolidar uma excelente relação com a população.

Roncos nos primeiros meses, apenas uma flagelação, 14 de Agosto, um óptimo sinal.

Aliás na mesma altura de rotação das NT, também o PAIGC fez rodar os seus homens na zona de M'Pack, Oussouye e Ziguinchor.

E por ora não me alongo mais. Da próxima, espero dizer algo sobre as suas crenças e a sua forma de trabalho.

Texto e fotos:
Luis Fonseca
(ex-Fur Mil Tms CCAV 3366)
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Notas dos editores

(1) Vd. post de 10 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1939: Susana, região de Cacheu: fantasmas do passado (Pepito)

(2) Vd. post de 24 Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCL: Preocupação com a situação humanitária em Susana e Varela (região do Cacheu) (Luís Graça)

(3) Vd. post de 11 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIII: Comandos africanos: do Pilão a Conacri (Luís Graça)

(4) Vd. a excelente página do Carlos Fortunato, que lidou com balantas e felupes > Guiné - Os Leões Negros > CCAÇ 13 > Bolama > Felupes

(...) "Adversários temíveis, os felupes possuem elevada estatura e grande robustez física. São referidos como praticantes do canibalismo no passado, são coleccionadores de cabeças dos seus inimigos que guardam ou entregam ao feiticeiro, e usam com extraordinária perícia arcos com setas envenenadas."Embora se assegure que o canibalismo pertence ao passado, não era essa a opinião das restantes etnias, as quais referem igualmente que estes fazem os seus funerais à meia noite, pendurando caveiras nas copas das arvores, e dançando debaixo delas. O felupe é conhecido como pouco hospitaleiro para com as restantes etnias, pelo que existe da parte destas um misto de animosidade e desconhecimento."Os felupes são igualmente grandes lutadores, fazendo da luta a sua paixão. Este desporto tão vulgarizado nesta etnia, prende-o, empolga-o, constituindo o mais desejado espectáculo" (...)

(5) vd. post de 11 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1942: Susana, chão Felupe (Luís Fonseca, CCAV 3366, 71/73)

1 comentário:

Anónimo disse...

KASSUMAI é com grande praser que me leva a mandar esse pequeno semente numa terra fertil.sou felupe de suzana naci pertode missao catolica ja vivo ca em portugal ha 7 anos em aveiro gostaria de ter os vossos cntactos afim de falarmos de suzana,a cumunidade suzanense se encontra nun numero asima 100 elemento onde temos ja uma associaçao legalizada.espero a vosa resposta. por...djikobil@hotmail.com