domingo, 22 de abril de 2007

Guiné 63/74 - P1684: Sepultado em Cinfães e em Bissau: 1.º Cabo Enfermeiro Correia Vieira, da CCAÇ 1419 (Casimiro Vieira da Silva / A. Marques Lopes)

Cinfães > Espadanedo > Cemitério local > 2007 > Campa do José Maria Correia Vieira (1943-1966), cujos restos mortais foram oficialmente trasladados de Bissau, em 1971 ou 1972.

Guiné-Bissau > Bissau > Cemitério militar > 1998 > Foto da campa do José Maria Correia Vieira. Segundo o livro da CECA, consultado pelo A. Marques Lopes (e de que se junta um extracto), o infortunado 1.º Cabo Enfermeiro Correia da Silva, da CCAÇ 1419, repousaria em paz na sua terra...

Guiné-Bissau > Bissau > Cemitério militar > Campas de Abel Pereira da Silva e António Novais Esteves, mortos juntamente com o José Maria Correia Vieira, em 5 de Janeiro de 1966, na Ponte do Rio Blassar - Matar, Olossato.

Fotos: © Casimiro Vieira da Silva (2007). Direitos reservados.


1. Mensagem do A. Marques Lopes, enviada para a tertúlia:

Caros camaradas:

Este texto chegou-me às mãos e quem o escreveu pediu-me para o divulgar junto da tertúlia. A. Marques Lopes (1).


2. Texto do Casimiro Vieira da Silva:

Triste história, verdadeira, de um Cabo Enfermeiro da Companhia de Caçadores 1419, que morreu na Guiné ao serviço da Pátria na noite de 5 de Janeiro de 1966, na Ponte do Rio Blassar - Matar, Olossato [vd. carta de Bigene]. Morreram com ele, nessa mesma noite e no mesmo local, mais dois companheiros [, Abel Pereira da Silva e António Novais Esteves].

Vamos ao que interessa: eu, Casimiro Vieira da Silva, Cabo Enfermeiro, parti para a Guiné em 11 de Janeiro de 1967. Assim que lá cheguei fui visitar o meu amigo José Maria, colega de escola, ao cemitério de Bissau. Lá estavam as três campas, a dele e as dos outros dois companheiros mortos na mesma altura, com os nomes gravados. Fiquei chocado.

Escrevi à minha mãe e contei-lhe que o José estava no cemitério de Bissau, que ela dissesse aos pais dele. A mãe do meu amigo ficou muito chocada e acabou, depois, por morrer cedo demais com o desgosto da morte do filho querido. Quando me vim embora, em 1968, fui despedir-me dele ao cemitério, coloquei um ramo de flores e disse-lhe Descansa em paz.

Mal cheguei a Portugal, regressei à minha casa, em Espadanedo, Cinfães, onde a mãe do José me procurou logo e agarrou-se a mim a chorar, tanto que eu também chorei. O desgosto desta mãe que nunca mais largou o luto. Pediu a Salazar, ou alguém de direito, que lhe devolvessem o corpo do seu filho para junto dela, para o poder velar. Responderam-lhe que, para isso acontecer, era preciso pagar uma quantia de 15 ou 20 contos, não sei ao certo, ou, então, que esperasse cinco anos para devolverem o corpo do filho sem pagar nada.

Sim, senhor. Devolveram o corpo talvez em 1971 ou 1972, já não me lembro a data ao certo, e fizeram um funeral nunca visto na freguesia de Espadanedo, Cinfães, com um pelotão do Regimento de Artilharia Ligeira N.º 5, de Penafiel, a fazer a honra a este bravo militar.

Voltei à Guiné em 1998, e ao cemitério de Bissau, e qual não é o meu espanto quando vejo lá na mesma as três campas. Fui ter com os empregados do cemitério, já muito velhotes, e perguntei se estas campas tinham sido remexidas. Prontamente me responderam que não tinha sido levantado nenhum corpo daquelas campas. Se tivesse sido retirado algum, o respectivo mármore teria também sido retirado.

... E, assim, continua a mentira, já com 40 anos. E, agora, pergunto: só veio o caixão, sem nada? ou com alguma coisa lá dentro? O caixão terá vindo de Bissau ou de Lisboa? Não sei. Só me interrogo sobre quantos, como o meu amigo José Maria, estarão enterrados nos cemitérios de Portugal e da Guiné ao mesmo tempo. Como é possível isto acontecer? - Pergunto eu.
Junto envio fotografias para provar como o José Maria se encontra nos dois lugares, em Bissau e em Portugal.


3. Comentário do A. Marques Lopes:

A dúvida do Casimiro é legítima. Vão, em anexo, as fotografias que ele tirou no cemitério de Bissau com as campas dos três que morreram na mesma noite. O livro da CECA confirma (em baixo) que dois deles continuam lá e que o José Maria está em Espadanedo. Parece-me que seria lógico que a campa deste não estivesse em Bissau... não me parecendo que, em 1971 ou 1972, não tivessem tido a preocupação de varrer os vestígios dela, tendo havido, de facto, a trasladação. Evidentemente, aquela Comissão transmite as informações que colheu ou lhe foram fornecidas.

Disse-me o Casimiro que a Zélia Cardoso, mulher do Xico Allen, depois de ver o filme Monsanto, escreveu à SIC uma carta onde levantava esta questão concreta do José Maria, levantando a questão de, eventualmente, poder haver outras situações idênticas. Mas essa estação televisiva nunca respondeu nem deu sinais de se interessar por tal. Este é um caso concreto. A partir dele, era bom que se esclarecessem as dúvidas que pairam, ainda mais que não seja por respeito às famílias. Que a velha senhora não tenha feito isso, compreende-se. Mas, agora...

 
4. Comentário de L.G.:

Infelizmente, estas trocas e baldrocas foram mato. Até na morte, muitos dos nossos camaradas foram vítimas da burocracia e da incompetência. O mínimo que era exigível ao Estado Português era que tratasse com dignidade os seus soldados caídos em combate... Em tempos o Albano Costa trouxe à baila um caso parecido, o do Manuel Agostinho Oliveira Mendonça, natural da freguesia de Soutelo de Matos, concelho de Vila Pouca de Aguiar.

Vd. post de 25 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1112: Os mortos do Talhão do Ministério do Exército: o caso do Agostinho, da CCAÇ 4150, Guidaje (Albano Costa)
______

Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 30 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXIX: Do Porto a Bissau (23): Os restos mais dolorosos do resto do Império (A. Marques Lopes)

1 comentário:

Unknown disse...

O meu pai pertencia à CC 1419, e na fatídica noite de 5-01-1966 ficou ferido com um tiro (uma bala que entrou nas costas, do lado direito, e foi retirada peço lado do peito, já em Lisboa).
O meu pai chamava-se Luis Ferreira, e era o 41.
Ele falava-me muitas vezes desse episódio e dos camaradas que faleceram.
Como o meu pai veio para Lisboa, e acabou por não regressar à Guiné, não sabia que os seus camaradas haviam sido sepultados na Guiné, embora referisse que dois deles tivessem ficado com os corpos em muito mau estado.
O meu pai referiu que o enfermeiro José Maria faleceu já durante a viagem do helicóptero que, pela manhã, veio socorrer os feridos e transportar os mortos.
O meu contacto é 919170226. Gostava de falar com vocês.
Um abraço.