sexta-feira, 6 de abril de 2007

Guiné 63/74 - P1648: Bibliografia de uma guerra (18): Uma obra de síntese, da autoria do Coronel Fernando Policarpo (Beja Santos)

República da Guiné - Bissau > Bandeira. Este símbolo nacional foi adoptada em 1973, com a proclamação, pelo PAIGC, da independência do território, em Madina do Boé. É formada pelas três cores características do panafricanismo: além do negro, da estrela de África, o vermelho que simboliza o sangue dos heróis que morreram na luta pela independência; o verde das florestas; e o dourado, alusivo às riquezas do subsolo (LG).

Finalmente uma síntese da guerra colonial
por Beja Santos

Na colecção Batalhas de Portugal, editada pela Quidnovi ao longo de 2006, o volume sobre a Guiné 1963-1974 (1) deve merecer a nossa atenção, e passo a explicar porquê. O seu autor é o Coronel Fernando Policarpo que foi alferes de 1972 a 74, tendo ficado gravemente ferido em combate. Licenciado em História, foi co-fundador do Centro de Estudos de História Militar e é professor do Colégio Militar. A sua obra está centrada na divulgação dos principais episódios que levam à compreensão do nascimento do movimento independentista e as duas fases da resistência da forças armadas ao PAIGC (1963-1968; 1968-1974).

Ficamos com um quadro esquemático da História da Guiné Portuguesa, as lutas da pacificação e a emergência do sentimento anticolonialista e o respectivo contexto internacional. O Coronel Fernando Policarpo permite ao leitor não iniciado o enquadramento das realidades internacionais da descolonização entre os anos 50 e 60. Depois enumera as características físicas do território, o mosaico populacional, a economia dos transportes antes do início da luta armada. Para os mais desacautelados, lembra os grandes obstáculos que a Geografia oferece, desde os rios, aos pântanos, à vegetação, ao clima, os 99 por cento de analfabetos, a economia nas mãos da Casa Gouveia (CUF) e dos comerciantes sírios e libaneses. A natureza do movimento de libertação, a ideologização do PAIGC, a complexidade da luta deste movimento no âmbito da Guerra Fria, a diversidade de apoios entre a China e a União Soviética, entre a Guiné Conacri e o Senegal são expostas com rigor e acessibilidade.

Segue-se a exposição sobre a primeira fase do conflito, que se estendeu a praticamente todo o território, com a criação de santuários e bases em áreas dificilmente acessíveis. Com a desarticulação da organização social tradicional, de 1963 a 1965 a guerrilha consolidou posições e passou a seleccionar as áreas e os momentos da flagelação. O autor desvela a estratégia militar do PAIGC, o controlo do território, sobretudo a Sul e a incapacidade de o exército português fazer reverter os sucessos obtidos pelo PAIGC durante esta primeira fase do conflito.

É em 1968 que se aprofunda a superioridade da guerrilha e daí para adiante são desencadeados ataques aos povoados mais populosos ou nevrálgicos como Bafatá, Farim, Mansoa, Bolama e Bambadinca. Com a chegada do Brigadeiro António Spínola, estabelece-se uma nova orientação estratégica. Spínola encontra a Guiné numa fase progressiva de degradação, um PAIGC moralizado e interessado numa grande ofensiva militar na frente Leste. A sua estratégia de contenção para o PAIGC passa pelo reordenamento das populações, por operações ofensivas de limpeza, a formação de tropas especiais africanas, a criação de um espírito ofensivo para assaltar e destruir bases tidas como inexpugnáveis e o abandono de aquartelamentos tidos como inviáveis, caso de Madina de Boé, donde se retira em Fevereiro de 1969.

Só que o PAIGC tem uma estrutura inquebrantável e não cede. Spínola, lentamente, dá passos para uma solução política. Mas a 20 de Abril de 1970 os sonhos desmoronam-se com o massacre de três oficiais superiores e um alferes no chão manjaco num episódio que ainda hoje não está devidamente esclarecido (2). A operação Mar Verde, em fins de 1970 visa um golpe de estado da Guiné Conacri e no essencial resulta num fiasco, com a agravante de uma maior perda de credibilidade de Portugal.

Enquanto decorre o reordenamento da população e se promovem Congressos do Povo sob a égide de Uma Guiné Melhor e os efectivos militares são já de 50 mil europeus e africanos, o reequipamento do PAIGC, a sua pujança operacional manifestam-se a partir de Março de 1971. De falhanço em falhanço, Spínola mostra-se desapontado com a falta de solução política e em 1973 é substituído. A partir daí, o PAIGC que proclama a sua independência em Madina Boé vai-se assenhoreando do território e obtendo êxitos clamorosos nas frentes Norte e Leste. Um número apreciável de oficiais do Exército irão fazer parte do MFA, caso de Carlos Fabião, Ramalho Eanes, Firmino Miguel e Otelo Saraiva de Carvalho.

Este livro é também valioso pelo impressivo repertório fotográfico e textos complementares que envolvem personalidades como Alpoim Calvão, Marcelino da Mata ou Raúl Folques, mas também Amílcar Cabral, Nino Vieira, ou Rafael Barbosa.

Uma obra de síntese que os camaradas da Guiné podem em boa consciência pôr nas mãos dos familiares e amigos, tal a seriedade na narração dos facto, tal a chave explicativa para o desaire militar e apresentação dos principais protagonistas. Espera-se que depois desta síntese se possa evoluir para uma obra mais desenvolta, onde os indispensáveis subsídios que temos patrocinado neste blogue, testemunhos únicos que ainda podem substituir a documentação desaparecida, mereçam o devido tratamento histórico.

_____________

Nota de L.G.:

(1) Fernando Policarpo - Guerras de África: Guiné (1963/-1974). Matosinhos: QuidNovi. 2006. (Academia Portuguesa de História: Batalhas da História de Portugal, 21).

(2) Vd. posts de:


17 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1436: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (1): Perguntas e respostas

18 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1445: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (2): O papel da CCAÇ 2586 (Júlio Rocha)

19 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1446: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M. F. Sousa) (3): O depoimento do 1º sargento da CCAÇ 2586, João Godinho

27 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1465: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (4): Os majores foram temerários e corajosos (João Tunes)

6 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1500: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (5): Homenagem ao Ten-Cor J. Pereira da Silva (Galegos, Penafiel)

8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1503: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (6): Fotografia dos três majores (Sousa de Castro)

12 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1519: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (7): Extractos da entrevista de Ramalho Eanes ao 'Expresso'

25 de Fevereiro de 2007 >Guiné 63/74 - P1549: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (8): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte I

6 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1566: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (9): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte II

17 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1603: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (10): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte III (Fim)

1 comentário:

Klatuu o embuçado disse...

Não ponho em dúvida a sua explicação da Bandeira... saberá melhor que eu... Mas não deixa de ser curioso ser composta pelas principais cores da Bandeira Portuguesa...

Cumprimentos.