segunda-feira, 22 de janeiro de 2007

Guiné 63/74 - P1453: Ninguém fica para trás: uma nobre missão do nosso camarada ex-paraquedista Manuel Rebocho

Brasão da Associação de Veteranos de Guerra do Centro (AVGCentro). Tem a sua sede em Cantanhede.

Foto: AVGCentro (2007). (Com a devida vénia...).


Notícia, assinada por Nelson Morais, publicada no JN- Jornal de Notícias, de 22 de Janeiro de 2007, e que me chegou por mão do António Santos, com o seguinte coemntário:

Bom dia, Amigo Luís
Junto link de uma notícia que nos interessa. O Manuel Rebocho cumpriu o que disse.

Um alfa Bravo
Santos
SPM 2558

Transcreve-se, com a devida vénia, a notícia do JN:

A última missão na Guiné

Pára-quedistas lembram máxima militar "ninguém fica para trás" para justificar a tentativa de resgatarem os corpos de três companheiros na Guiné Nelson Morais. Os corpos de José Lourenço, António Vitoriano e Manuel Peixoto ainda foram carregados pelos companheiros da Companhia de Caçadores Pára-Quedistas nº121 que sobreviveram à violenta emboscada da guerrilha do PAIGC, a 23 de Maio de 1973, no Norte da Guiné-Bissau, junto ao Senegal (1).

Mas o clima quente e húmido produzia efeitos infernais. Os cadáveres entraram rapidamente em decomposição e foram enterrados, numa cova aberta à pressa, no destacamento militar português em Guidaje. Antes e depois da declaração de independência da Guiné, verificar-se-iam alguns períodos de acalmia no território, mas os restos mortais dos três jovens nunca foram trasladados (2).

Na última sexta-feira, quase 34 anos depois dos enterramentos, um ex-sargento-mor de outra companhia de pára-quedistas, Manuel Rebocho, e o seu antigo comandante, o general na reserva Norberto Bernardes, regressaram à Guiné, para a derradeira missão trazer os companheiros para casa. Lourenço para Cantanhede, Peixoto para Vila do Conde, Vitoriano para Castro Verde.

"É uma obrigação moral", justifica Rebocho, que descobriu que as trasladações não haviam tido lugar quando, em 2006, fazia uma tese de doutoramento sobre "Sociologia da Paz e dos Conflitos" (3).

Liga tem outra prioridade

"Parece ter descoberto a pólvora", critica o presidente da Liga dos Combatentes (LC), Chito Rodrigues, irritado com a iniciativa de Rebocho, coordenada pela Associação de Veteranos de Guerra do Centro. Rodrigues, general do Exército na reserva, sublinha que é a LC que detém a "missão institucional" de resolver o problema. Não só daqueles três militares, mas de um total de quatro mil sepultados em quase 400 lugares de Angola, Moçambique e Guiné.

Desses quatro mil, apenas 1250 foram recrutados no território a que hoje se limita Portugal, mas Rodrigues diz que o Estado também é responsável pelos 2750 militares que, apesar de recrutados nas ex-colónias, morreram em combate com a mesma farda. E a prioridade da LC não é trasladar aqueles 1250 corpos para Portugal, mas dignificar meia dúzia de cemitérios, nas antigas províncias ultramarinas, onde possa concentrar os quatro mil. De resto, nota que, mesmo em Guidaje, estão sepultados mais cinco soldados do Exército recrutados na metrópole e 23 do recrutamento local.

Admitindo trazer também os corpos dos militares do Exército, se surgir autorização oficial, Rebocho lembra que já está mandatado pelas famílias dos pára-quedistas para os resgatar e invoca, sobretudo, espírito de corpo. "Os pára-quedistas têm uma máxima que diz que 'ninguém fica para trás' e, neste caso, ficaram", lamenta, notando que os Fuzileiros e os Comandos não deixaram nenhum homem na Guiné.

Além disso, os três pára-quedistas não foram enterrados num cemitério, mas em "campo aberto", assinala Rebocho, acrescentando outro argumento: "Por determinação do poder político, os militares mortos até 68 ficavam lá, a não ser que a família pagasse o transporte; a partir daí, passaram a vir; ora, estes meus camaradas ficaram lá não por determinação do poder político, mas do poder militar".

Estado ingrato

A viagem de uma semana que os pára-quedistas iniciaram, sexta-feira, e a que farão em Fevereiro, com uma equipa de cientistas, não é apoiada pela LC. "A Liga nunca disse que não à operação, mas não dá um tostão", diz Rebocho. Por estes dias, já com autorizações das autoridades locais, o ex-sargento e o general Bernardes farão o reconhecimento da zona onde estão as sepulturas, segundo o mapa dos enterramentos.

A 16 de Fevereiro, voltarão à Guiné, com arqueólogos e antropólogos e com a esperança de encontrar chapas identificativas dos soldados junto dos ossos. De qualquer modo, a equipa da segunda viagem transportará as ossadas para Bissau, em urnas, e só trará amostras para Portugal. No Instituto Nacional de Medicina Legal, serão sujeitas a testes de ADN e, confirmando-se a identidade dos soldados, Bissau enviará as urnas.

A irmã do soldado Lourenço parece ainda duvidar de tudo isto. "A gente quer que seja mesmo verdade", desabafa Maria Lourenço, muito mais convicta da "ingratidão" do Estado português. "Se o levou para lá, deveria tê-lo trazido! Mas nem agora ajuda... A 28 de Maio de 73, recebemos a notícia da morte do meu irmão, e disseram-nos que não valia a pena esperar, que ele já estava enterrado. Só quando fizesse sete anos é que mandavam os ossos... "

Nelson Morais
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Notas de L.G.:

(19 vd. posts de:

25 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1212: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (1): A morte do Lourenço, do Victoriano e do Peixoto

9 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1260: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (2): o dia mais triste da minha vida

(2) Vd. post de 21 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1099: O cemitério militar de Guidaje (Manuel Rebocho, paraquedista)

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