sábado, 13 de janeiro de 2007

Guiné 63/74 - P1424: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (6): amigos do peito da CCAÇ 2701 (Saltinho, 1970/72)

Guiné > Zona Leste > Sector L5 (Galomaro) > Saltinho > 1971 > Da esquerda para a direita: tripulação do heli, Alf Mota (CCAÇ 2701), Alf Santiago (Pel caç Nat 53), Spínola, Cap Clemente (cmdt da CCAÇ 2701), Cap Tomás (ajudante de campo do Spínola), sendo o último da direita o Alf Médico Faria (do BCAÇ 3872).

Foto: © Paulo Santiago (2006). Direitos reservados.


Guiné > Zona Leste > Sector L5 (Galomaro) > Saltinho > 1971 > "Alf Mil Mota, eu, armado em tocador de guitarra, e o Alf Mil Valentim Oliveira. Atrás existe um cartaz que diz EM 71 MUITA FLOR E AMOR" (Paulo Santiago).

Foto: © Paulo Santiago (2006). Direitos reservados.


Continuação da publicação das memórias do Paulo Santiago, ex-alf mil, cmdt do Pel Caç Nat 53 (Saltinho , 1970/72). Texto enviado em 12 de Dezembro de 2006.


Luís:

Segue a parte nº 6 das minhas memórias. Acrescento que o Carlos Clemente foi um dos militares enviados para os Açores, juntamente com o Vasco Lourenço, um mês antes do 25 de Abril.

Um abraço
Paulo




Hoje vou falar pouco do 53 e debruçar-me sobre alguns camaradas da 2701 e também sobre o ambiente respirado naquela Companhia.

O comandante da CCAÇ 2701, capitão Carlos Clemente, hoje coronel reformado, continua a ser um dos meus grandes amigos. Era uma pessoa, e também um militar, de excepção.Cultivava as boas relações com a população, fundamental naquele tipo de guerra, e zelava, de uma forma não vulgar, pelo bem estar dos homens sobre o seu comando.

Naquela altura havia uma messe conjunta, alteração mais tarde efectuada pelo proveta (2), para sargentos e oficiais, onde se consumiam grandes quantidades de cerveja e uísque. Apesar das várias arcas e frigoríficos que havia, por vezes o gelo não chegava, pediu por isso, supremo requinte, uma máquina para fazer gelo, que veio quase de seguida.

O comandante de batalhão estava-se marimbando para a qualidade de vida dos homens sobre o seu comando, andando sempre a reclamar com o Clemente sobre os pedidos que ele fazia,
dizendo que o Saltinho estava a ser beneficiado em relação à sede de batalhão em Galomaro e às companhias de Cancolim e Dulombi. Claro, o Clemente contornara a questão, fazendo os pedidos de material de frio e outros, directamente a Bissau, com CC ao tenente-coronel, comandante do batalhão. Este também não concordava com a existência de arcas-frigorificas nos destacamentos, mas elas estavam lá.

Operacionalmente, o Carlos Clemente também tinha grandes qualidades, tinha feito uma comissão, como tenente, em Moçambique, onde fora ferido em combate,e nas vezes em que saí com ele para operações, fiquei convencido que era um militar líder, ncom óptimas qualidades de comando.

Havia depois o Alf Julião, como mais antigo, substituía o Clemente, nas ausências deste. Já é conhecido da Tertúlia, esteve na Ameira (3), e todos sabem termos uma amizade de aço, vinda dos matos da Guiné.

O Alf Mil Op Esp Fernando Mota, transmontano de gema, era o mais operacional, aquele com que mais vezes saí para o mato.Com ele inaugurei, no início de Abril de 71, a picada que seguindo o carreiro dos djilas [vendedores ambulantes]ía até Galomaro, passando o rio Pulom. Foi um grande dia de comes e bebes em Bafatá, principalmente para mim, que estava no Saltinho desde Outubro de 70.

O Mota foi gravemente ferido, em fins de Novembro de 71, último dia do Ramadão, na picada que ligava Saltinho a Aldeia Formosa, quando deu de caras com um bi-grupo do IN, que viria atacar o Reordenamento de Contabane e, simultaneamente, o quartel. Ainda hoje anda com estilhaços numa perna.

Na altura desta emboscada eu estava em Bambadinca na instrução de Milícias. Fazia parte do
grupo de combate do Mota, outro amigo do peito, o Fur Mil Carlos Santos, presente também na Ameira (3) e outro grande operacional.

O Valentim Oliveira, portista ferrenho, era outro dos alferes, estudante de Arquitetura, foi o supervisor e responsável pela construção de Contabane, hoje Sinchã Sambel.

Há noite no bar, acompanhado pelo Mário Rui, dedilhavam cada um a sua viola, enquanto o resto do pessoal ía bebendo e jogando o King. Doença traiçoeira levou-o há onze anos.

Não posso esquecer o Médico, Martins Faria, de Guimarães, excelente clínico e excelente pessoa.

Havia no Saltinho uma regra, não escrita, mas era cumprida. Quando vinham as colunas, vinham várias caixas de uísque, por vezes havia desvios, e penso que em muitas companhias era costume fazer uma distribuição daquelas marcas mais conceituadas, ficando para beber as mais vulgares. Ali não havia distribuição, primeiro bebia-se, quando chegasse nova coluna, caso ainda sobrasse alguma das tais garrafas, vendia-se, prioritariamente, a quem estivesse para vir de férias, fosse oficial, sargento ou soldado.

Dentro das possibilidades, também se comia bem na 2701 e, outro requinte, havia talheres de peixe para todos.

Termino por hoje, voltando a falar de alguns destes camaradas em próximas memórias.

_________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post anterior > 4 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1338: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (5): estreia dos Órgãos de Estaline, os Katiusha

(2) Referência ao Capitão da CCAÇ 3490 (Saltinhgo), pertencente ao BCAÇ 3871 (Galomaro, 1971/74). Vd. posts de:

23 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P980: A tragédia do Quirafo (Parte I): o capitão-proveta Lourenço (Paulo Santiago)

25 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P985: CCAÇ 3490 (Saltinho), do BCAÇ 3872 (Galomaro, 1971/74)

(3) Vd. post de 15 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1177: Encontro da Ameira: foi bonita a festa, pá... A próxima será no Pombal (Luís Graça)

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