domingo, 17 de dezembro de 2006

Guiné 63/74 - P1374: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (2): Seguindo a Estrela, de Missirá a Belém (Beja Santos)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Natal de 1969 > Messe de sargentos > Almoço de confraternização dos sargentos e furriéis milicianos da CCS do BCAÇ 2852 (1969/70), da CCAÇ 12 (1969/71) e de outras unidades adidas... Na fioto reconheem-se alguns dos furriéis milicianos da CCaç 12, tais como: (i) os cinco primeiros do lado esquerdo: Marques, Branquinho, Pina, Martins e Fernandes; (ii) do lado direito, só reconheço duas caras: o Almeida, transmissões, em frente ao Fernandes; e o Jaime, vagomestre, sentado em frente ao Fernandes.

Foto: © Humberto Reis (2005). Direitos reservados


Texto do Beja Santos, enviado na sexta-feira, 15 de Dezembro, à tarde com a seguinte nota Mensagem de Natal para a malta do blogue:


Meu caro Luís, quando fizer o balanço este ano, porei em primeiríssimo plano o nosso reencontro e a minha adesão aos princípios do blogue.

Já disse que esta obra em que estou empenhado fazia parte dos meus projectos para depois dos 67/68 anos. Graças a ti, felizmente fui envolvido por uma torrente emocional da qual já não é possível sair.

A minha primeira expressão de gratidão vai indeclinavelmente para ti, pelo primeiro convite (então bem modesto, por sinal), pelas fotografias que me mostraste de Bambadinca que me lançaram no tapete, depois o sentido que tenho que o blogue é uma das coisas mais sérias que se faz em torno do nosso património comum; e, não menos importante, o sentir diariamente que há centenas de camaradas que apoiam e se superam para trazer à memória colectiva o vivido em condições irrepetíveis, ao lado da História indiferente.

Numa tentativa de prestar homenagem a todos, lanço no blogue um poema de Natal que comecei a escrever em Missirá, nos preparativos da festa (a mais linda e exaltante de toda a minha vida) e que agora me limito a reconfeccionar do alto da nossa matura idade. Desejo do coração a ti, como cúmplice e co-autor desta aventura, e a todos os camaradas da Guiné as mil alegrias natalícias que vivi em 1968.

Cordialmente, Mário.


A Estrela de Belém (ao Luís Graça e camaradas da Guiné) (1)
por Beja Santos

O Anjo S. Gabriel entrou na minha cubata vestido de placas de quartzo, mica e feldspato e ordenou-me: levanta-te, pega nos teus homens e caminha para Oriente.

Este anjo que me despertou do sonho era mulato, louro de cabelo encarapinhado e tinha olhos verdes.

Desferi uma pancada no gongue, convoquei a tribo e partimos numa noite escura aberta em trovoada.

O nosso azimute era uma Estrela que nos encaminhou por trilhos exóticos.

Vimos pássaros de viveiro marítimo, ergueram-se fogueiras de grés, receberam-nos num caminho escravas de roça, vimos caçadores furtivos entre a bruma, na pista dos búfalos.

Confiámos absolutamente na Estrela, escorremos a água da bolanha pelos cabelos, saudámos na passagem flotilhas de morcegos, afagámos o capim quente, vimos o dia cegar de perfeição.

Não sabíamos neste caminhar, seguindo sempre a Estrela, se se fazia a guerra ou paz, se aquele incêndio na floresta era napalm ou queimada natural de agricultores, não sabíamos se rumávamos para norte ou sul do Equador, não sabíamos se havia aeródromos florestais ou se havia salitre à nossa espera.

Soubemos que estávamos a chegar porque aquele Anjo mulato, louro de cabelo encarapinhado, no esplendor da sua indumentária de quartzo, mica e feldspato apontou para a lapa de um Presépio e perfumou-nos com óleo oceano.

Usou expressões como cordeiro de luz, acha de Deus, o Deus-menino que vem trazer o consolo e bem aventuranças.

Ao meu lado um dos meus homens gritou risonho: Assim é mais melhor!

Alguém ajoelhou junto à gruta e chamou àquela criança gamo antigo, grandeza de bissilão, enquanto outros faziam soltar no ar guizos de balanta, fazendo as cerimónias do sal e da cola.

Ouviam-se hossanas nos palmeirais e senti na memória que estavam felizes e contemplativos todos os meus mortos intangíveis.

Então, concluida a assembleia triunfal, o Anjo S. Gabriel apontou-nos o caminho de regresso e voltámos a um lugar cercado por arame farpado, passando entre faunos e nenúfares, pavões reais, fogos esplendorosos em piras subaquáticas.

Chegámos exaustos, transformados em velas sem grades, filhos de sonhos mapa-mundi, como se fosse inteiramente verdade que depois daquela lapa de Presépio se tinha dado a abicagem da Paz na Terra.

Atrás de nós, ficava um lento rio, a quem os homens chamavam Geba, para lá da vareda da estrada, rio a todos irmanado.

Ao som de trombetas, na noite escura, o Anjo S. Gabriel desapareceu.

E todos imaginámos que de Belém a Missirá tinha havido batuque no céu.

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Nota de L.G.:

(1) Vd. post e 17 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1373: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (1): As Nossas Festas... Quentes e Boas (Luís Graça / José Martins)

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