domingo, 10 de dezembro de 2006

Guiné 63/74 - P1357: Testemunhos sobre o Marcelino da Mata, a pedido de sua filha Irene (3): Nem a cruz nem o altar (Mário Dias / Luís Graça)

Guiné > Brá > 1965/66 > Emblema do Grupo de Comandos Diabólicos, do Alf Briote, e a que pertenceu também o então 1º cabo Marcelino da Mata (hoje, cortonel do exército, na reforma, e cavaleiro da Ordem Militar da Torre e Espada) (1).

Foto: © Virgínio Briote (2006). Direitos reservados. (Reproduzido do blogue Tantas Vidas, com a devida vénia...).


1. Mensagem do Mário Dias, com data de 9 de Outubro de 2006:

Caro Luis:

Como sabes, conheci e lidei de perto com o Marcelino da Mata, actualmente residente em Queluz e com quem me encontro de vez em quando.

Estou disposto a ajudar a filha dele nesta homenagem tão simpática que ela quer prestar ao pai. Como fazê-lo? Directamente para ela ou através de ti?

Mantenhas.

Mário Dias

2. Resposta de L.G., na volta do correio:

Mário:

És um homem puro e generoso, sem parti-pris... Eu nunca conheci o Marcelino da Mata... Não me sinto juiz de ninguém, nem quero sê-lo, nomeadamente quando estão em causa antigos combatentes da Guiné, como eu... Deformação profissional, sociológica ? É possível... Deixo isso à história, ao futuro, aos nossos nossos netos, que nos hão-de julgar... Além disso, estamos a falar de antigos combatentes que ainda estão vivos... A questão é sempre delicada.

Julgo não ter feito a guerra como o Marcelino da Mata, ou nem sequer como tu que te ofereceste para os comandos... Tu defendias uma terra que amavas, desde os teus 15 anos... Quem te poderá apontar o dedo por lutares por convicção e patriotismo ? Ou a mim, por ter feito um papel de resistência passiva (fraca, mole...) que a minha consciência me impunha ?

No caso do Marcelino, eu gostava no mínimo de conhecer a sua história de vida, a sua acção, os seus feitos... Muita coisa já pertence ao domínio da lenda, do mito ... Eu quero o teu testemunho sereno e privilegado, o teu, o do Virgínio e de outros camaradas que com ele conviveram de perto... Vocês têm uma autoridade que ninguém mais tem na tertúlia, com excepção do coronel Nuno Rubim de quem ele foi subordinado nos anos de 1966 (segundo creio): por isso, o vosso depoimento, o vosso testemunho, é essencial...

Eu sei que o Marcelino da Mata - heroificado à direita, crucificado à esquerda - poderá vir a ser outra questão fracturante no nosso blogue, na nossa tertúlia... Vamos ter que agir com serenidade, lucidez, objectividade... Não vamos crucificá-lo nem pô-lo no altar... Interessa-nos o homem, o cidadão, o militar, o combatente (2)... É, além disso, um oficial superior do Exército Português que deve deve ser tratado como tal.

Mas eu penso que já atingimos a maturidade... Somos capazes de falar, uns com os outros, sem puxar pela G-3, ou no mínimo com a G-3 em segurança... Não há nada - pelo menos, comigo, como editor do blogue - que não se possa evocar, falar, descrever, narrar, criticar, contestar, do Salazar ao Amílcar Cabral, do Otelo ao Nino, do Alpoím Galvão ao Luís Cabral... Em suma, não há vacas sagradas na nossa caserna virtual...

Só quero (exijo) que as pessoas, os tertulianos, exponham os factos, contem o que viram, o que sentiram, o que pensaram... Sem preconceitos ideológicos (O que não quer dizer sem valores): o Marcelino da Mata foi um combatente, ao que parece excepcional... Posso interrogar-me sobre os seus métodos de actuação, depois de conhecer a sua estória... Não o conhecendo, não posso ter uma opinião sobre ele, muito menos baseada no diz-que-disse...

Há a questão (delicada) da informação a dar à sua filha... A vida de seu pai não foi nenhum conto de fadas, como ela de resto o deve saber há muito... Mas ela é uma pessoa adulta, saberá ler e contextualizar a informação que vier a ser inserida no blogue... Ela tem direito à verdade, tal como os filhos de outros combantentes, tal como nós e os nossos filhos... Foi ela, de resto, que nos pediu estes testemunhos...

O Marcelino, o Saiegh, o Bacar Jaló, o Luís Graça, o Mário Dias, o Beja Santos, o João Tunes, o Jorge Cabral ou o Virgínio Briote e os restantes membros da nossa tertúlia, todos nós estivemos, objectivamente, do mesmo lado da barricada... Seguramente, que não pensávamos todos da mesma maneira, nem actuámos da mesma maneira, mas isso que importa agora!?...

Mário: tens uma grande responsabilidade... Vais dar o pontapé de saída... O Virgínio também vais vasculhar o baú, lá em Esposende (2)...

3. Comentário do Mário Dias (cujo prometido testemunho sobre o Marcelino da Mata continuo a aguardar, desde 10 de Outubro de 2006):

Caro Luís:

Passando por cima dos elogios que me fazes, imerecidos, mas que agradeço, aceito o teu desafio e o mais brevemente que me for possível, vou narrar a história do Marcelino apenas na parte respeitante à vivência que com ele tive entre 1963 e 1966 (3). Do restante da sua vida, apenas conheço o que tenho ouvido e lido e que é do domínio público.

Claro que o julgamento que cada um faz está condicionado pela forma como ideologicamente vê e interpreta os factos. O que para uns é um acto justo e necessário, para outros será um excesso criminoso. Não é raro que alguém clame contra a injusta barbaridade dos seus opositores e enalteça como justas e patrióticas barbaridades semelhantes, e por vezes bem maiores, cometidas pela parte com que simpatiza e apoia.

Um abraço e até breve.

Mário Dias

__________

Notas de L.G.:

(1) Vd. o sítio oficial da Associação de Comandos > Galeria dos Heróis > Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito > Marcelino da Mata


(2) Vd. posts anteriores:

10 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1355: Testemunhos sobre o Marcelino da Mata a pedido de sua filha Irene (2): Orgulho-me de o ter conhecido em Guileje (José Carvalho)

10 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1354: Testemunhos sobre Marcelino da Mata, a pedido de sua filha Irene (1): De 1º Cabo Comando a Torre e Espada (Virgínio Briote)

(3) De acordo com o blogue do Virgínio Briote, Tantas Vidas, o Marcelino da Mata fez parte do Grupo de Comandos, os Diabólicos, estando estado integrado na 1ª equipa:


GRUPO DE COMANDOS DIABÓLICOS (ao tempo da estadia em Barro)

1ª Equipa

1º Cabo Marcelino da Mata
Soldado Carlos Alberto dos Santos Roberto
Alferes Briote
Soldado José Feitinhas de Matos/ANPRC10
Soldado Álvaro dos Santos/Enfº

2ª Equipa

Soldado José Marques
Soldado José Caleiro
Furriel Caetano Azevedo
Soldado António Alves Maria da Silva
Soldado Joaquim Esperto

3ª Equipa

Soldado Domingos Lopes
Soldado José C. Martins
Sargento Mário Valente
Soldado Albino Ferreira da Silva / MG-42
Soldado Mamadú Jaló

4ª Equipa

Soldado Fernando Moura
Soldado Bacar Mané
1º cabo Carlos Faria Black
1º Cabo Casimiro Anselmo
1º Cabo António Domingues


Em 4 de Setembro de 1965, quando terminaram o 2º Curso de Comandos,- juntamente com os Apaches (Alf António Vilaça e Vítor Caldeira), os Vampiros (Alf António A. Neves da Silva) e os Centuriões (Luís M. N. Almeida Rainha), os Diabólicos eram assim constituídos (entre parênteses, indica-se a sua unidade de origem e assinalam-se, em observação em itálico, os que já morreram e em circunstâncias):

Alf. V. Briote (CCAV 489/BCAV 490)
2º Sarg. Mário J. Machado Valente (CCS/QG)
Fur. Caetano Azevedo (CCAÇ 764)
Fur. Fernando Marques de Matos (Pel Caç 953)
1º Cabo Carlos Filipe Faria (CCaç 462)
Sold. Bacar Djassi (CCS/QG) (fuzilado)
1º Cabo Mamadu Jaló (Agrup 16) (fuzilado)
Sold. Albino F. Silva (CCS/BCAÇ 697) (falecido)
Sold. José Vicente Caleiro Júnior (CCS/BCAÇ 697)
1º Cabo José Henriques Cristóvão(CCS/BCAÇ 790)
Sold. António Jesus da Silva (CCS/BCAÇ 790)
Sold. António A. M. Silva (CCAÇ 674) (morto, Jabadá, 06/03/66)
Sold. Fernando Simões Moura (CCAÇ 726)
Sold. António Amador Caeiro (CCAÇ 726) (falecido)
Sold. Bacar Mané (BAC) (falecido)
1º Cabo António Rita Domingues (CART 732) (falecido)
Sold. Álvaro dos Santos (CCAV 677)
Sold. Carlos Alberto S.Roberto (CCAV 677)
Sold. Domingos Lopes (CCAV 703)
1º Cabo Casimiro Oliveira Anselmo (CCAV 789)
Sold. José Correia Martins (CCAV 789)
Sold. Joaquim Ventura Esperto (CCAV 789)
Sold. José Feitinha de Matos (CCAV 789)
Sold. Diamantino F. M. Carvalho (CCAV 789)
Sold. José Joaquim Pereira Marques (CCAV 678)

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