terça-feira, 21 de novembro de 2006

Guiné 63/74 - P1299: Antologia (54): Transporte de tropas, por via marítima e aérea (CD25A / UC)










Alguns dos nossos navios da marinha mercante que foram requisitados para transporte de tropas para o TO da Guiné entre 1963 e 1974... O mais requisitado foi o Niassa. Os grandes paquetes, como o Vera Cruz (com capacidade para transportar mais de 2000 homens), não podiam operar no Porto de Bissau.

Fonte: © Navios Mercantes Portugueses , página de Carlos Russo Belo (2006) (com a devida vénia...) . O autor foi oficial da marinha mercante.

Excerto extraído da página CD25A / UC - Centro de Documentação 25 de Abril, Universidade de Coimbra, relativamente aos transportes de tropas, marítimos e aéreos, durante da guerra colonial (com a devida vénia...):


As guerras de África implicaram a manutenção da maior força armada no exterior, que Portugal alguma vez formou ao longo dos seus oito séculos de história. Em 1974, eram mais de 130 000 homens que se mantinham em pé de guerra a milhares de quilómetros da metrópole (27 000 na Guiné, 57 000 em Angola e 50 000 em Moçambique). O seu simples transporte e apoio logístico era problema de grande envergadura para um país das dimensões de Portugal e com os seus recursos, mas sem esse problema ser resolvido não podia haver guerras de África.

Podemos dizer que a solução começou a ser pensada logo após a Segunda Guerra Mundial. Em 1939-45, tornou-se evidente que um dos pontos que criavam maiores dependências do país em relação ao exterior, em alturas de crise, era a falta de uma marinha mercante e de ligações regulares com o império. Durante a guerra, por exemplo, os produtos de Angola apodreciam nos portos e, embora fosse possível comprar petróleo, não se conseguia assegurar o seu transporte.

O Governo decidiu dar prioridade à resolução desse problema. Logo em 1945 foram aprovadas duas medidas que implicaram vultosos investimentos nesse sentido. A primeira foi o despacho de 10 de Agosto do ministro da Marinha, onde se previa a ampla renovação da marinha mercante nacional por meio da construção de 70 navios, com apoio do Estado, entre os quais nove grandes paquetes. A segunda foi a decisão de criar uma companhia aérea do Estado (a TAP), com a prioridade de iniciar as operações da chamada linha imperial, de ligação regular com Angola e Moçambique.

Em finais dos anos 50, depois de investimentos públicos de grande envergadura, a marinha mercante portuguesa teve o seu desenvolvimento máximo. Contava, nomeadamente, com 22 paquetes, no total de 167 000 toneladas. Entre eles estavam os quatro gigantes: Santa Maria, Vera Cruz, Príncipe Perfeito e Infante D. Henrique, com cerca de 30 000 toneladas cada, capazes de transportar mias de 1000 passageiros ou mais de 2000 soldados.

Muitos destes paquetes foram requisitados em diversas ocasiões para transporte de tropas, muito especialmente na fase inicial da guerra, e as restantes unidades da marinha mercante seriam essenciais para manter o esforço em África. Os paquetes mais requisitados na ligação a África foram o Vera Cruz, o Niassa, o Lima, o Império e o Uíge.

O Niassa foi o primeiro paquete afretado como transporte de tropas e de material de guerra, por portaria de 4 de Março de 1961, mas seria o Vera Cruz a fazer mais viagens, chegando a realizar 13 num ano. Em 1961, efectuaram-se 19 travessias por nove paquetes em missão militar e o ritmo aumentou à medida que a força expedicionária em África crescia: em 1963, tinham-se efectuado 27 viagens por oito paquetes e, em 1967, 33 por nove.

Até 1974, o mar era a grande via de ligação ao império, tendo mais de 90 por cento da carga e de 80 por cento do pessoal metropolitano empenhado na guerra sido transportado em navios.

A linha aérea imperial começou a funcionar em 1947, mantida inicialmente pelos velhos Dakotas da TAP, que asseguravam a ligação a Luanda e a Lourenço Marques (5). Em 1948, os bimotores foram substituídos pelos quadrimotores DC-4 Skymaster, com os quais se conseguiu, pela primeira vez, a ligação semanal regular com o império.

Mais tarde, os DC-4 foram substituídos pelos Constellation e, desde, 1955, pelos Super Constellation, que transportavam 83 passageiros para Luanda em menos de 24 horas. Só em 1965 estes aparelhos foram substituídos na TAP pelos Boeing 707, os primeiros aviões a jacto de longo curso usados por Portugal.

O esforço de guerra não podia ser mantido só com a linha da TAP e assim a Força Aérea, desde muito cedo, tentou desenvolver os transportes aéreos estratégicos, missão entregue aos TAM (Transportes Aéreos Militares), que começaram a operar na primeira metade dos anos 50 a partir do AB1, em Lisboa, para o que usaram dois C-54 (o equivalente do Skymaster), cedidos pelos americanos para uso nos Açores. Em 1955, os TAM contavam já com uma frota de 11 C-54 ou DC-4, mas todos antiquados.

Quando a luta armada rebentou em Angola, os Constellation da TAP foram requisitados e fizeram viagens como transportes de tropas, enquanto os C-54 dos TAM tentaram manter a ligação regular com Luanda, em voos que demoravam 22 horas. As dificuldades eram muitas para os velhos aviões e quatro deles perderam-se em acidentes.
Fonte: Centro de Documentação 25 de Abril, Universidade de Coimbra (2006)
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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 20d e Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1297: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (3): Do navio Timor ao Quartel de Santa Luzia

(...) O imponente paquete Timor, amarelado, mais alto e corpulento do que a enorme estação fluvial, ali estava, calmo, à nossa espera, poisado nas águas paradas do Tejo. Várias escadas, longas, ligavam o cais ao bojo barrigudo mas elegante, do paquiderme, de proa arrebitada e pendão festivo, à solta.

"Não demorou muito e toda a gente estava a bordo, distribuida pelos muitos pisos, docilmente transformados em quartel. Um tremendo urro disparou nos ares e as máquinas medonhas aceleraram, lá no fundo.A água do Tejo começou a ferver em ondas de espuma, em turbilhão, à popa, empurrando o gigante para mais uma oferenda, em sacrifício, no altar da ditosa pátria" (...)

(2) Vd. post de 28 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXVII: A caminho da Guiné, no "Ana Mafalda" (1967) (A. Marques Lopes)

(...) "Largámos às 12h00 do dia 8 de Abril de 1967. Foi uma bela viagem, como devem calcular, com os baldes dos dejectos do porão a serem despejados borda fora de manhã e ao fim da tarde (ao menos haja regras). Mas os despejo começaram logo à saída da barra do Tejo. Eu, pessoalmente, nunca tinha chamado tantas vezes pelo Gregório" (...).

8 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXXII: Caminhos entrecruzados: Ana Mafalda, Cantacunda... (Carlos Marques dos Santos)

(...) "Bravo, Marques Lopes: Afinal os nossos percursos entrecruzaram-se. Tu antes, eu depois. À tua descrição poderia só acrescentar: Faço minhas as tuas palavras e, concerteza, vivências: (i) Ana Mafalda e vómitos de 5 dias;(ii) Cantacunda e fome de 15 dias, depois de terem levado alguns, não poucos, dos nossos" (...);


25 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXC: Os marinheiros e os seus navios (Lema Santos)

(...) "Estas unidades navais [, as LFG,] efectuavam inicialmente a docagem de conservação (alagem) nos estaleiros navais de S. Vicente, em Cabo Verde e, mais tarde em Bissau. Significava que, com alguma dificuldade e amargos diversos de estômago, efectuavam navegação oceânica.

"Tinham a base naval em Bissau, na ponte cais em T, frente ao Comando de Defesa Marítima na parte interior da ponte-cais em T onde, na parte exterior atracavam também os comerciais e alguns TT's. Estou a lembrar-me do Rita Maria, Ana Mafalda e até mesmo o Funchal" (...).

18 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXI: Breve historial da CART 2732 (Mansabá, 1970/72) (Carlos Vinhal)


(...) "Em 7 de Abril de 1970 a CART2732 recebeu o seu Estandarte. No dia 13 de Abril realizou-se no Cais do Porto do Funchal a cerimónia de despedida da Companhia (...).

"A CART 2732, sob o comando interino do Alf Mil Art Manuel Casal, embarcou nesse mesmo dia, cerca das 12H00, no navio Ana Mafalda, que largou pouco depois com destino à Guiné. No cais ficou uma multidão de populares, familiares e amigos dos militares, que ali se deslocaram para assistirem à cerimónia de despedida, embarque e partida da Companhia.

9 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXV: Amigos para sempre (Tony Levezinho, CCAÇ 12)

(...) "Como se tudo continuasse como dantes e a vida corresse normalmente, contra os ventos da história (como então se dizia), nessa viagem de regresso à pátria servia-se a bordo, na classe turística (reservada aos sargentos) uma sopa de creme de marisco, seguido de um prato de peixe (Pescada à baiana) e um de carne (Lombo Estufado à Boulanger)... sem esquecer a sobremesa: a bela fruta da época, o bom café colonial, o inevitável cigarro a acompanhar um uísque velho, antes de mais uma noitada de lerpa ou de king... Obrigado ao Humberto Reis e à sua já famosa "memória de elefante" por me lembrar que o 17 de Março de 1971 foi o primeiro dia do resto das nossas vidas" (...) (LG)

(4) Vd. post de 19 de Novembro e 2006 > Guiné 63/74 - P1296: O cruzeiro das nossas vidas (2): A Bem da História: a partida do Uíge (Paulo Raposo / Rui Felício, CCAÇ 2405)

(...) "A largada foi terrível. O barco a afastar-se do cais é muito doloroso para nós, com as carpideiras que para lá eram enviadas, para nos desmoralizarem ainda mais.

"Depois do navio largar e passar S. Julião da Barra, fomos para o bar à espera que nos chamassem para o almoço. O Major Branco, que comandava interinamente o nosso Batalhão, uma vez que o nosso Comandante, Ten Cor Pimentel Bastos já tinha seguido de avião, perguntou ao nosso Capitão:- Embarcaram todos os rapazes?O Capitão respondeu de imediato:- Sim, sim, meu Comandante. Ele sabia lá!

18 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLVIII: Bajudas, nem vê-las! (Carlos Marques dos Santos)

(...) No final da comissão ainda houve duas saídas para Bafatá, para fim de semana. Ao meu pelotão não chegou a vez.

"Melhor ainda. Viemos embora para casa. Tinha terminado o mato. Esperava-nos Bissau e o Uíge, em contraposição com o Ana Mafalda de ida, de vómitos e sofrimento de toda a Companhia.

"Foi a minha estreia em cruzeiros. No regresso fomos tratados com senhores. Só que não vieram todos" (...).

(4) Vd. post de 23 de Junho de 2005 > Guiné 63/74 - LXXVI: (i) A bordo do Niassa; (ii) Chegada a Bissau




(...) "Alguém se lembrou de abrir uma garrafa de champagne como se tivéssemos atravessado o Equador em alegre cruzeiro pelo Atlântico Sul. Com um sorriso amarelo, também participei neste ritual de iniciação e ergui a minha taça:- Afinal, estamos todos no mesmo barco!, - pensei.

"De resto, come-se e bebe-se o dia todo para matar o tédio da vida a bordo. Há os viciados da lerpa. Os oficiais superiores, esses, divertem-se com o tiro ao alvo na popa do navio, enquanto a malta da turística escreve cartas, aos pais, namoradas, noivas e mulheres, cartas que eu imagino já molhadas de lágrimas salgadas e de saudades. As praças, essas, vomitam nos porões. Todo o navio fede e no meio do cheiro nauseabundo há um desgraçado de um desertor que vai a ferros" (...).


(5) Segundo o Portal da TAP > História > 60 Anos na Rota do Futuro, a Linha Aérea Imperial (Lisboa-Luanda-Lourenço Marques) foi inaugurada em 31 de Dezembro de 1946: com 12 escalas, 15 dias de duração (ida e volta) e 24540 quilómetros, era "a mais extensa linha a nível mundial operada com o DC-3". Em 1964, a TAP inaugura a operação regular Lisboa-Sal-Bissau.

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