quinta-feira, 9 de novembro de 2006

Guiné 63/74 - P1260: Guidaje, de má memória para os pára-quedistas (Victor Tavares, CCP 121) (2): o dia mais triste da minha vida

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O ex-1º Cabo Paraquedista Victor Tavares (BCP 12, CCP 121, Giné 1972/74)


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Guiné > Região do Cacheu > Guidaje > Maio de 1973 > CCP 121 > O ex-1º Cabo Paraquedista Victor Tavares em acção.

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Guiné > BCP 12, CCP 121 (1972/74) > O crachá da unidade.
Texto e fotos: © Victor Tavares (2006). Direitos reservados. Fotos alojadas no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.
Segunda e última parte do relato A Caminho de Guidaje
Operação Mamute Doido
Guidaje > 23 a 29 de Maio de 1973
CCP 121- Companhia Caçadores Paraquedistas 121

Estimado amigo e camarada Luís:

Conforme prometi cá estou para dar continuidade ao texto A Caminho de Guidaje (1).

Depois de chegados e instalados junto às valas que circundavam Guidaje, do lado da picada que dava entrada no destacamento, aí ficámos a montar segurança durante a nossa permanência.

Depois disto a noite aproximava-se. Entretanto os nossos feridos, o Melo e o Peixoto, foram colocados num abrigo que servia de enfermaria improvisada uma vez que as restantes infra-estruturas se encontravam todas danificadas pelos constantes bombardeamentos que esta unidade tinha sofrido até à data, não oferecendo nem tendo quaisquer condições para socorrer os nossos feridos nem aqueles que já lá se encontravam.

Ai, tudo foi tentado para salvar os nossos companheiros que, em agonia de morte, aguardavam a sua hora de partida para a eternidade. Poucas horas passadas viria a falecer o Peixoto: veio-se assim, infelizmente, a confirmar o que poucas horas antes eu tinha pensado, quando o fui ver à viatura que o transportou do local da emboscada, de Cufeu até Guidaje (2).

Depois de mais uma baixa das nossas forças restava a esperança que o Melo viesse a ter melhor sorte, o que não viria a acontecer, tal era a gravidade do seu ferimento, que o levou ao estado de coma da qual não saiu até à sua morte, depois de evacuado para Bissau, para o HMB 241 e depois para a metrópole onde viria a falecer.

Não posso deixar de referir a coragem de um piloto dos Helis que se deslocou a Guidaje para fazer a evacuação do Melo, pois que como todos sabiam os riscos eram enormes naquela zona derivado à utilização dos Mísseis Strella (3).

Nessa viagem o mesmo piloto acabou por nos levar elos para as HK21 e MG42, assim como meias uma vez já andávamos há cerca de 15 dias com as mesmas - os que ainda as tinham! Foi feita a evacuação do nosso companheiro Melo.

A CCP 121 tinha ainda pela frente a tarefa mais árdua e difícil para executar. Atrevo-me mesmo dizer: a mais difícil da sua história, naquela altura ainda curta - só com 17 anos apenas, na altura; hoje com 50 anos, desde a criação das Tropas Paraquedistas em Portugal (4)...

Perante os factos havia que tomar decisões: tínhamos 3 companheiros mortos, não aguentaríamos muito mais tempo com eles em estado de decomposição, não havia meios para os retirar dali... Fizemos uma tentativa para regressar a Binta mas já em progressão fora do destacamento, deparámos com uma situação delicada: a população seguia-nos...

Tivemos que regressar ao destacamento, por ordens superiores. Posto isto não tínhamos outra alternativa. A solução foi enterrar os nossos companheiros em local ermo, perto do arame farpado, na condição de mais tarde serem daqui retirados, o que até hoje ainda não aconteceu (5).

Quero dizer a todos os Tertulianos que para mim foi o dia mais triste que passei durante toda a minha comissão na Guiné. E esse dia ainda hoje o recordo com tristeza.

Todas as situações relacionadas com a forma de enterrar em Guidaje os paraquedistas isso deveu-se ao facto não haver qualquer previsão de formação de nova coluna a partir de Binta, o que só veio a acontecer passados seis dias, ou seja, a 29 de Maio de 1973 (3).

De 23 a 29 de Maio o destacamento foi atacado várias vezes tanto de dia como durante a noite. Devido à falta de munições da nossa artilharia, esta disparava muito esporadicamente em resposta. Era impressionante a eficácia das granadas IN que raramente falhavam o objectivo, o interior do destacamento.

Quanto à alimentação durante este período, era ao meio dia arroz com conserva de sardinha, um autentico paté. Ao jantar era paté de sardinha com arroz, nos dias seguintes para variar era a mesma coisa, mas digo-vos, amigos, com toda a sinceridade, esta situação da alimentação, embora crítica, nunca preocupou os paraquedistas, porque para atenuar a deficiente alimentação tínhamos como sabem muita e boa água.

Os paraquedistas da 121, quando foram solicitados para romper o cerco para Guidaje (3), tinham consciência plena dos riscos que iam correr, porque a preocupação não era só fazer chegar a coluna a Guidaje, era também tentar chegar lá para dar ânimo e reforçar a capacidade de defesa das NT e preparar-se para apoiar, a partir desta posição, nova tentativa de reabastecimento terrestre.

Fomos informados pelo nosso comandante de companhia, o Cap Paraquedista Almeida Martins, das dificuldades que poderiam surgir, as incertezas e privações que poderíamos vir a ter, porque sabíamos que a alguns quilómetros se encontravam camaradas que precisavam de apoio. por isso avanáamos como sempre o fizemos neste TO e comprimos o nosso dever, à custa da valentia de muitos e o sacrifício de alguns bravos que tombaram heroicamente.

Travámos uma dura batalha mas ultrapassámo-la num combate difícil, mesmo desigual. Mais uma vez provámos que merecemos a Divisa QUE NUNCA POR VENCIDOS SE CONHEÇAM. Assim como para o 1º Cabo Paraq Peixoto e os Sold Paraq Victoriano e Melo a Divisa DAQUELES EM QUEM PODER NÃO TEVE A MORTE.

Entretanto estamos a 29 de Maio e as ordens são para preparar o regresso a Binta (3). Fazem-se as últimas inspecções às armas para passado pouco tempo iniciarmos a marcha de regresso.

Ao contrário do que aconteceu na ida em que eu segui sempre na retaguarda, agora seria o primeiro logo a seguir o meu municiador desta operação, o Sold Paraq Correia, que tão bem deu conta do recado no contacto em Cufeu (1), transportando fitas várias debaixo de intenso fogo do IN. Normalmente o meu municiador era o Sold Paraq Domingos.

Em terceiro lugar no início do deslocamento seguia o Cap Comando Raul Folques (6), o qual tive que chamar a atenção por não guardar a distância adequada à segurança, além de também falar muito alto na comunicação por rádio. Progredíamos com atenção redobrada porque a zona assim o exigia e os acontecimentos recentes aconselhavam.

Andados cerca de trinta minutos, detectámos uma mina antipessoal que balizámos, seguindo em marcha lenta , até que a pouca distância se ouvem duas pequenas rajadas de armas ligeiras. Fizemos uma pequena paragem para logo de seguida reatar a marcha, íamos progredindo muito próximo da picada existente, a mata era semiaberta.

Entretanto estávamos nas redondezas do ponto mais crítico de todo o percurso, estacionámos durante algum tempo, até que rebenta uma emboscada do outro lado da bolanha. Era mais um ataque no Cufeu, à sexta coluna que vinha de Binta para Guidaje, protegida por uma Companhia de Comandos, a 38ª , e por mais duas ou três companhias do exército, que até ao destacamento não tiveram mais problemas .

Entretanto a CCP 121, seguida pelos Fuzileiros (8), elementos do exército e um grupo de Companhia de Comandos Africanos, que foram regressando da Operação Ametista Real (6), cruzaram-se connosco no Cufeu. Seguimos rumo a Binta, não sem que víssemos inúmeros cadáveres em decomposição, alguns já só em esqueleto, dando a indicação de não serem todos referentes aos mesmos combates.

Esta zona sim era um autêntico cemitério ao ar livre. Para provar isso, quem esteve em Guidaje, nesse período, deve-se ter apercebido que, quando fazia aragem desse lado, o cheiro era bastante acentuado (7).

Retomando a picada aberta de novo, seguimos em viaturas rumo a Binta, aonde chegámos sem mais qualquer percalço. Daqui fomos para Farim, onde pernoitámos, partindo na manhã seguinte [, a 30 de Maio de 1973,] rumo a Bissau.

Um forte abraço para ti e todos os tertulianos.

PS - O próximo texto será sobre a Op Amestista Real

____________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 25 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1212: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (1): A morte do Lourenço, do Victoriano e do Peixoto

(2) Extracto do post anterior: (...) "A partir daqui aguardava-se a chegada de viaturas que vinham de Guidaje. Chegadas estas, carregaram-se os mortos e feridos. Nnessa altura fui à viatura onde se encontrava o Peixoto para ver qual era o seu estado. Apertando o meu braço, diz-me ele:
"- Tavares, desta vez é que eu não me safo. - Aí respondi-lhe:
"- Não, tu és forte e tudo vai correr bem, tem calma.

"Quando desci da viatura depois de ver os ferimentos, fiquei com a convicção de que só por milagre é que o Peixoto se safava: fora atingido por vários tiros em zonas vitais" (..)

(3) Vd. post de 21 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1198: Antologia (53): Guidaje, Maio de 1973: o inferno (Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes)

(...) "Para cercar Guidaje, o PAIGC começou por cortar o itinerário de Binta e instalar sistemas antiaéreos com mísseis Strella. O isolamento aéreo de Guidaje iniciou-se com o abate de um avião T-6 e de dois DO-27 e o terrestre acentuou-se em 8 de Maio, quando uma coluna que partira de Farim, escoltada por forças do Batalhão de Caçadores 4512, accionou uma mina anticarro e foi emboscada, sofrendo 12 feridos. Em 9 de Maio, a mesma força foi de novo emboscada, mantendo-se o contacto durante quatro horas.

"A coluna portuguesa sofreu mais quatro mortos, oito feridos graves, dez feridos ligeiros e quatro viaturas destruídas, deslocando-se então para Binta, em vez de subir para Guidaje" (...).

(...) "Em 23 de Maio, saiu uma coluna de Binta para Guidaje protegida por uma companhia de pára-quedistas [, a CCP121]. A coluna regressou ao ponto de partida, porque a picada estava minada em profundidade, e a companhia de pára-quedistas, apesar de ter sofrido violenta emboscada feita por um grupo de cerca de 70 elementos, que lhe causou quatro mortos, chegou a Guidaje " (...).
(...) "Em 29 de Maio, foi organizada uma grande operação para reabastecer Guidaje. Constituíram-se quatro agrupamentos com efectivos de companhia em Binta e dois agrupamentos em Guidaje, estes para apoiar a progressão na parte final do itinerário. A coluna alcançou Guidaje nesse dia, tendo sofrido dois mortos e vários feridos" (...).

(...) "Em 12 de Junho, considerou-se terminada a operação de cerco a Guidaje. Uma coluna partiu desta guarnição para Binta, trazendo o tenente-coronel Correia de Campos, que comandara o COP3 durante este difícil período.

"Baixas das colunas de e para Guidaje, entre 8 de Maio e 8 de Junho de 1973: Mortos: 22; Feridos: 70; Viaturas destruídas: 6.

"Em suma, o primeiro objectivo do PAIGC foi isolar Guidaje, o segundo foi flagelar a posição e destruir o espírito de resistência das forças portuguesas e o último seria conquistar a povoação. Guidaje sofreu, entre o dia 8 e o dia 29 de Junho, 43 flagelações com artilharia, foguetões e morteiros. Logo no dia 8 esteve debaixo de fogo por cinco vezes, num total de duas horas, em 9 sofreu quatro ataques, em 10 três, e até ao final todos os dias foi atacada. No total dos 43 ataques, a guarnição de Guidaje sofreu sete mortos, 30 feridos militares e 15 entre a população civil. Foram causados estragos em todos os edifícios do quartel" (...).

(4) Vd. O sítio das Tropas Páraquedistas (1956-2006) > o historial das tropas paraquedistas em Portugal >

(...) "1952 - É promulgada a Lei 2055, de 27 de Maio, que cria a Força Aérea Portuguesa como ramo independente das Forças Armadas. Esta Lei, no seu artº nº 9, prevê a constituição de uma unidade de pára-quedistas" (...).


(...) "1956 - É criado o Batalhão de Caçadores Pára-quedistas - BCP (Portaria Nº 15671, de 26 de Dezembro de 1955), com sede em Tancos e dependente da recém criada Força Aérea Portuguesa" (...)

(...) "1966 - Formação do Batalhão de Caçadores Pára-quedistas Nº12 (BCP 12) em Bissau - Guiné (Portaria 22260, de 20 de Outubro). O Batalhão será activado a 14 de Outubro de 1966 incluindo a Companhia de Pára-quedistas do AB2" (...) .
(5) Vd. posts de:
21 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1099: O cemitério militar de Guidaje (Manuel Rebocho, paraquedista)
28 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P919: Vamos trasladar os restos mortais dos nossos camaradas, enterrados em Guidage, em Maio de 1973 (Manuel Rebocho)
(6) Comandante da 3ª Companhia de Comandos, do Batalhão de Comandos da Guiné. Participou na Op Ametista Real (18-20 de Maio de 1973), onde foi ferido (3).
Vd. ainda posts de:
26 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1213: A CCAV 3420, do Capitão Salgueiro Maia, em socorro a Guidaje (João Afonso)
16 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CLXXV: Antologia (16): Op Ametista Real (Senegal, 1973) (JOão Almeida Bruno)
(7) Vd. posts de:
27 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1123: Um espectáculo macabro na bolanha de Cufeu, em 1973 (A. Mendes, 38ª Companhia de Comandos)
22 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1199: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (1): Sete anos de serviço
22 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1201: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (3): De Farim a Guidaje: a picada do inferno (I parte)
23 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1203: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (4): De Farim a Guidaje: a picada do inferno (II Parte)
(8) Vd. post de 28 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1220: Guidaje, Maio de 1973: o depoimento do comandante de um destacamento de fuzileiros especiais (Alves de Jesus)

1 comentário:

Anónimo disse...

O link supra referido
«(1) Vd post de 2 Novembro 2005 > Guiné 63/74 - CCLXV: Apresenta-se o 1º Cabo Comando Mendes (38ª CCmds, 1972/74)
vai dar a... parte incerta.