quarta-feira, 8 de novembro de 2006

Guiné 63/74 - P1259: Dicas para o viajante e o turista (4): Um cheirinho a alecrim & rosmaninho (Luís Graça / Jorge Neto)

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O Jorge algures em África: um homem entre homens... Fonte: © Africanidades (2006) (com a devida vénia...). O autor deste blogue é membro da nossa tertúlia e mantém connosco uma política, mutuamente vantajosa, de troca de serviços, de ideias, de afectos e de roncos...
Foto alojada no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.

Para quem chegou agora ao blogue e/ou à nossa caserna virtual, o Jorge Neto (aliás, Rosmaninho, em auto-homenagem à sua costela alentejana) é um branco, um tuga (não sei se ele gosta do termo), da nova geração - e que portanto não fez a guerra colonial, como nós-, que vive e trabalha em Bissau, e que dá voz (e imagem) aos guineenses que a não têm.
Há uns meses atrás (1), eu disse-lhe que continuava a apreciar (e a invejar) o seu trabalho como jornalista independente, lúcido, sensível e corajoso e sobretudo o seu blogue, o seu Africanidades (que agora mudou de poiso)... (Eu penso que ele é também mais coisas, como professor, formador...).

Continuo a pensar que o nosso Jorge (e mais um punhado de gente heróica e solidária, como o Pepito ou o Paulo Salgado) continua a fazer mais pela língua de todos nós, pela lusofonia, pela cultura portuguesa, e pela amizade luso-guineense do que todos os burocratas do Ministério dos Negócios Estrangeiros, de cá e de lá, juntos e atirados aos jacarés do Rio Corubal... Dir-me-ão que é uma hipérbole, uma caricatura, uma metáfora... Seja. A verdade é que eu continuo a ser fã do Jorge, o nosso Alecrim & Rosmaninho em terras da Guiné...

Não resisto, por isso, a roubar-lhe, de tempos a tempos, um cheirinho daquelas terras por onde passámos nos nossos verdes anos (ou onde deixámos os nossos verdes anos)... Hoje transcrevo um saborosíssimo texto que ele postou, no seu blogue, no dia 1 de Maio de 2006, sob o título Buracos e Decibéis...

O Jorge não é um coleccionador do anedótico e do exótico, é um cidadão do mundo que ama sobretudo a aventura humana e que é capaz de se emocionar com o quotidiano dos homens e mulheres que (sobre)vivem em países tão belos e tão precários como a Guiné-Bissau... Conhecedor de África como poucos jovens da sua geração, não mete todos os africanos, povos e países, no mesmo saco da globalização pós-modernista, sendo capaz de fazer juízos diferenciais como este: "Na Guiné-Bissau admirei-me com o civismo (em geral acima da média africana) com que grande parte dos condutores locais conduz os seus veículos"...

Acho que esta é uma também boa dica, para a reflexão e a acção dos nossos camaradas e amigos que se preparam dentro de dias - no dia 17 - para partir para a Guiné (estou a pensar mais concretamente no Carlos Fortunato e no José Bastos) (2)... Enfim, é também uma pequena achega às valiosas dicas que o Vitor Junqueira, outro andarilho e amigo da Guiné e dos guineenses, já aqui nos deixou (3)... Mais dicas de outros tertulianos serão bem-vindas.
PS - Poder-me-ão acusar de paternalismo e de estar a projectar no Jorge - que eu, por infelicidade, ainda não conheço pessoalmente - os fantasmas, as culpas, as frustações, as expectativas e as ilusões da geração da guerra colonial (ou do Ultramar, como queiram)... Até pode ser, mesmo que ele, coitado, não tenha costas tão largas para arcar com tremenda responsabilidade... Mas não é isso: sendo da geração pós-colonial, só tendo conhecido a Guiné pós-independência, o Jorge está naquele país por vontade própria e em missão de paz, como paisano... E se acaso eu o invejo, é apenas porque ele substituiu a G-3 pelo portátil, a máquina digital e o gravador... Como eu gostaria de ter estado nessa situação em 1969/71!...


2. Buracos e decibéis
por Jorge Neto (aliás, Jorge Rosmaninho)

Fazendo por alto a soma do conta-quilómetros pessoal em transportes públicos africanos, calculo que a coisa se situe entre os 10 e os 15 mil. A estes ainda poderei juntar cerca de 10 mil quilómetros, palmilhados no conforto de veículos próprios, alugados ou emprestados.

Horas a fio de estrada. Incontáveis esperas sonolentas em paragens de pó e gasóleo (aqui um carro só anda depois de a lotação estar completa). Cansaço acumulado em estradas pavimentadas a buracos. Avarias na berma, pedidos de boleia à sombra de embondeiros. Furos. Um despiste e uma ressurreição, no Niassa, Moçambique, quando alguns companheiros de viagem morreram abalroados por um camião. Tinha deixado o local minutos antes.

No Zimbabué, cretinocracia habitada por gente com fome, decadentes autocarros mostraram-me um país de capim dourado e elefantes. No centro e norte de Moçambique visitei o paraíso em oxidados machimbombos e trôpegas chapas (as de caixa aberta e as históricas Toyota Hiace). Nas sept places [sete lugares] senegalesas (as também históricas carrinhas Peugeot 504) provei o sabor de um país bonito, recheado de gente oportunista. As neuf places [nove lugares] mauritanas (as mesmas Peugeot, mas com dois passageiros mais que no vizinho Senegal) fizeram-me voar, literalmente, pelas areias do deserto. Nos autocarros estufa (sem janelas ou ar-condicionado) do tórrido Mali desfiz-me em suor, procurando o sul do Sahara. Na Guiné-Bissau admirei-me com o civismo (em geral acima da média africana) com que grande parte dos condutores locais conduz os seus veículos.

No fim de tantas viagens aprendi uma máxima que guardarei para sempre no livro das errâncias por estradas africanas: aqui (como em todo o continente), um transporte público pode não ter faróis, piscas, seguro, chapa de matrícula ou travões, mas tem, de certeza, um potente rádio de colunas roufenhas a debitar decibéis e a desfazer, desta forma, a angústia de longas jornadas a consumir buracos. No interior de uma candonga todos se abanam, não ao som dos acordes, mas ao sabor das covas da estrada. Também poucos falam, que o condutor sempre faz questão de mostrar a potência das roufenhas colunas que adornam o veículo. A foto e o som do interior de uma candonga guineense para ver e ouvir em baixo. Boa Viagem! Boa Viagem!
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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 15 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLV: Ajudar os guineenses a fazer o luto (Luís Graça / Jorge Neto)

(2) Vd. post de 15 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1177: Encontro da Ameira: foi bonita a festa, pá... A próxima será no Pombal (Luís Graça)

(3) Vd. post Guiné 63/74 - P1255: Dicas para o viajante e o turista (1): A experiência e o saber do Vitor Junqueira

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