terça-feira, 25 de julho de 2006

Guiné 63/74 - P988: O soldado paraquedista Lourenço, natural de Cantanhede, morto e enterrado em Guidaje (Maio de 1973) (Idálio Reis)

Mensagem do Idálio Reis, ex-Alf Mil, CCAÇ 2317, BCAÇ 2835, Gandembel e Ponte Balana 1968/69)(1)

Assunto: O apelo do Manuel Rebocho (P919). A trasladação dos restos mortais de camaradas enterrados em Guidage, em Maio de 1973 (2)

Caro Luís e demais Tertulianos:

Sentida estupefacção quando li este post (2). Jamais poderia julgar que militares, tombados em plena frente de combate, não tenham regressado para junto dos seus - familiares, amigos e conterrâneos. Homens em viço da vida, que ousadamente partiram em defesa do espírito mais nobre que lhes fora incutido - o solo pátrio -, e que acabam por morrer e ser enterrados em campas rasas, até hoje esquecidos numa terra estranha, não prometida.

Em Maio de 1973, a situação da frente da guerra que avassalava a Guiné, era dominada pelo caos, pelo terror e pela morte. Já quase se tornava impossível impedir que a tropa, esparsa pela Província, não estivesse sujeita à iminência do desastre, muito prestes a redundar no seu aniquilamento.

Mas apesar de tudo, eis aqui, notoriamente, um caso de abandono, de desprezo, que uma negligência em permanência descura em julgar. A Pátria tendeu para a ignomínia, ao deserdar jovens cidadãos que lhes tributaram o bem que de mais precioso tinham em posse: as suas vidas.
E por isso, os que sobreviveram aos reveses de uma guerra volúvel e pérfida, sentem-se duramente fustigados ao tomar conhecimento destes factos consumados, e que nos compete condenar energicamente, para sossego das nossas consciências.

Porque um dos camaradas enterrados em Guidaje, há 33 anos, era oriundo do meu concelho de Cantanhede, tentei indagar o que me era devido. Acabei por constatar que o paraquedista José de Jesus Lourenço era natural do lugar de Fornos, freguesia de Cadima. E que os seus familiares continuam esperançados em reaver os despojos do seu ente querido; apesar de os seus pais permanecerem vivos, julguei que não seria oportuno falar com eles sobre este assunto.

Foi-me informado que há poucos meses tinham sido contactados por duas pessoas, nas quais presumo estar seguramente a pessoa do Manuel Rebocho. Assim, por que é de inteira justiça reclamar que o Estado Português venha repor a equidade e a justiça que se impõem, mesmo que tardiamente, desejaria na comoção deste momento transmitir aos nossos Tertulianos o seguinte:

i) Agradecer de uma forma muito cordial todo o esforço desempenhado pelo Rebocho, no trabalho afanoso que tem demonstrado nesta sua nobre missão; afirmou à família do José Lourenço, que tem de conseguir o objectivo a que se propôs;

ii) Ao referir no seu depoimento, que «não conhece a palavra desistência», leva-me a depreender que os apoios que em uníssono reivindicamos com toda a justeza, lhe têm sido sonegados, pelo menos em parte;

iii) Do seu laconismo, porventura propositado, facilmente se reconhece que o Manuel Rebocho é um homem de inabaláveis convicções, imbuído de um forte sentido de solidariedade e camaradagem, e em que prevalece características humanas profundas; do seu itinerário pessoal, transmite que se trata de alguém com grande determinação e inabalável querer;

iv) Porque nos deu a conhecer esta sua filantrópica missão, então se considerar como mais curial, nos transmita o ponto da situação.

Julgo que talvez não fosse de todo descabido que se formasse uma comissão de guardiães-velhos da caserna, para confrontar o poder político vigente, a fim de poder dar concretização à aspiração que há muito o vem incentivando.

Um abraço do Idálio Reis.

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Notas de L.G.

(1) 19 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXIV: Um sobrevivente de Gandembel/Ponte Balana (Idálio Reis, CCAÇ 2317)

18 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXX: Um pesadelo chamado Gandembel/Ponte Balana (Idálio Reis, CCAÇ 2317, 1968/69)

12 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P866: De Cansissé e a Fonte dos Fulas ao Baixo Mondego ou como o mundo é pequeno (Idálio Reis)


Vd. post de Guiné 63/74 - P919: Vamos trasladar os restos mortais dos nossos camaradas, enterrados em Guidage, em Maio de 1973 (Manuel Rebocho)

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