segunda-feira, 24 de julho de 2006

Guiné 63/74 - P984: Ainda a tragédia de Quirafo: o 'morto' que afinal estava vivo (António Duarte)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime > 1970 > Vista aérea do aquartelamento e da tabanca do Xime

Foto: © Humberto Reis (2006)


Texto do António Duarte (ex-furriel miliciano, CART 3493, e CCAÇ 12, Mansambo e Xime, 1972/74)

Caro Luís Graça,

Ao tempo desta emboscada [na picada do Quirafo] (1), eu estava em Mansambo, ainda muito pira, na CART 3493. Como a companhia do Saltinho era do batalhão de Galomaro, a notícia chegou tarde e a más horas e provavelmente filtrada.

Por infeliz coincidência tivemos no Batalhão 3873 a primeira baixa na Ponta Coli, 5 dias depois (2). No entanto gostaria de referir que quando se soube dos contornos desta desgraça, ocorrida aos camaradas do Saltinho, a moral das NT por Mansambo veio abaixo.

Há no entanto um aspecto, também dramático, associado à emboscada referida, que gostaria de partilhar. Daquilo que me lembro, houve dois ou três companheiros, vítimas da emboscada, que foram dados como desaparecidos.

Já após o 25 de Abril e com a conclusão das negociações com o PAIGC, houve libertação de prisioneiros e pasme-se... um dos mortos, que estava sepultado, salvo erro em S. Martinho do Bispo (Coimbra), apareceu, e com ele os dramas associados. O primeiro, para família do desaparecido, a qual porventura, sempre teria alimentado a esperança de o seu ente querido aparecer, que afinal estava morto e para a do morto que estava vivo.

No momento que a TV estava a passar as imagens do drama, só me recordei do Frei Luís de Sousa, do Garrett.

Não sei se alguém do nosso blogue se recorda do tema (3).

Um abraço fraterno,
António Duarte
__________

Notas de L.G.

(1) Vd. post de 12 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P955: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (5): O pesadelo da terrível emboscada de 17 de Abril de 1972

(2) Vd. posts sobre esta e outras emboscadas em na Ponta Coli, entre o Xime e Amedalai:
26 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXXVII: Coragem, sangue-frio e desprezo pelo perigo em Ponta Coli (Sousa de Castro, CART 3494)(...)

"Perguntei há dias ao Sousa de Castro se tinha cópia da história da companhia dele, na sequência da publicação do episódio da emboscada sofrida pelos seus camaradas na Ponta Coli, na estrada (já então alcatroada) Xime-Bambadinca, às 6 da manhã do dia 22 de Abril de 1972, e de resultaram pesadas baixas para as NT: 1 morto (furriel), 7 feridos graves e 12 feridos ligeiros". (...)

24 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXXII: A morte, às 6 da manhã, em Ponta Coli (Sousa de Castro, CART 3494)

20 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXVIII: Notícias da CART 3493 (Mansambo, 1972) e da CCAÇ 12 (Bambadinca e Xime, 1973/74) (António Duarte)

12 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXLIV: A galeria dos meus heróis (3): A Helena de Bafatá

(3) Antes de inserir este post no blogue, perguntaei ao resto da tertúlia se me era capaz de identificar a famigerada companhia do capitão-proveta Lourenço, que o Paulo Santiago descreve como um cow-boy, companhia essa que estava no Saltinho e apanhou uma das maiores emboscadas da guerra da Guiné, em 17 de Abril de 1972... A companhia pertencia ao batalhão de Galomaro...
Por outro lado, o António Duarte fala aqui de um morto (dos 11 dados como mortos) que foi enterrado na sua terra (São Martinho do Bispo, Coimbra ?) e que depois do 25 de Abril apareceu na lista dos prisioneiros do PAIGC... Esta história é fantástica, digna como diz o Duarte, de uma peça de teatro como o Frei Luís de Sousa, do Almeida Garrett, e merece ser investigada... Será que aguém terá mais pormenores ?

1 comentário:

Luís Dias disse...

Em relação ao que é aqui era mencionado como de um indivíduo dado como morto e afinal era prisioneiro do PAIGC - o António Baptista, devo, em abono da verdade, informar o seguinte: Quando já estávamos em Bissau, à espera de embarque para Lisboa, o comando do Batalhão BCAÇ 3972, teve conhecimento que o soldado Manuel Rodrigues, da CCAÇ 3489-Cancolim, que todos presumiam ter desertado para o PAIGC, tinha-se evadido do campo de prisioneiros do PAIGC numa piroga e apresentara-se às nossas tropas. É ele que nos informa que o Baptista estava vivo e feito prisioneiro. Portanto, desde meados de Março de 1974, já se sabia que o Baptista não morrera.
Um abraço
Luís Dias
Ex-Alf. Mil. (CCAÇ 3491-BCAÇ3872)