quarta-feira, 28 de junho de 2006

Guiné 63/74 - P921: A Cripta dos Combatentes no Cemitério do Alto de S. João, Lisboa (José Martins)

Texto do José Martins, extraído do III Capítulo do seu livro Refrega, ainda inédito (2000).

A CRIPTA

Procurando no dicionário a palavra cripta encontrei: CRIPTA, s.f. (gr. Kripte, lat. Crypta); subterrâneo de igreja onde antigamente se enterravam os mortos; caverna subterrânea; catacumba.
Não é que não saiba, de há muito tempo, o seu significado. O que me levou a buscar no dicionário a palavra, é que senti o inverso quando, pela primeira vez, desci à Cripta dos Combatentes instalada na ala ocidental do Cemitério do Alto de S. João, em Lisboa.

Não deixa de ser uma gruta subterrânea, obra da ideia e da mão do homem, para aí depositar os restos mortais dos seus camaradas, que combateram pela Pátria a partir da I Grande Guerra, e foram membros da Liga dos Combatentes.

É um lugar de paz, dentro de outro local de paz.

No exterior, mais não é que um pequeno promontório encimado pela figura majestosa de um militar em sentinela, ladeado por pequenos canteiros que se destinguem dos outros circundantes, pela sua simplicidade. A simplicidade dum cemitério militar.

Na cabeceira de cada canteiro, apenas existe uma lápide encimada pela Cruz de Guerra da Liga dos Combatentes, identificando o nome, patente, teatro de operações em que esteve e data do falecimento do militar, que ali descansa.


Logótipo da Liga dos Combatentes. Foto: Liga dos Combatentes (2006) (com a devida vénia)

Mas estas campas, em formatura, são apenas a antecâmara da cripta, para onde todos serão transladados.

Junto à porta de entrada da cripta, uma lápide recorda João Jayme de Faria Affonso, no XX aniversário da sua morte (30 de Novembro de 1966), e que foi um dos fundadores da Liga dos Combatentes. A porta baixa não nos obriga a baixar a cabeça para que possamos nela entrar, somos nós que, naturalmente, nos curvamos respeitosamente perante o passado que ali vamos encontrar.

Ao descer os primeiros degraus da escada, deparamos com várias lápides evocativas de visitas ou homenagens de nacionais ou estrangeiros, a todos os que ali se encontram, no seu conjunto, ou a alguém, em especial, e que se encontra na cripta.

“AOS MORTOS DA MARINHA MERCANTE NACIONAL
HEROICA E MÁRTIR NOS SACRIFICIOS PELA GREI
10 DE AGOSTO DE 1963”

“SOUVENIR FRANÇAIS
TEMOIGNAGE DE RECONNAISSANCE
AUX ANCIENS COMBATENTS PORTUGAISES
10-NOVEMBRE-1953”

“HOMENAGEM DOS COMBATENTES FRANCESES E INGLESES
AO MAJOR PILOTO AVIADOR ÓSCAR MONTEIRO TORRES
MORTO EM COMBATE NA FRANÇA A 22-11-1917
URNA 5289”

Lá em baixo, apesar de se encontrar dentro da cidade, o silêncio é total. A configuração é de uma camarata onde, arrumada por corredores estreitos e em múltiplos beliches, se encontram dormindo o sono eterno aqueles que, devido à sua condição de combatentes, ganharam o direito de ter ali lugar.

Não há nomes, não há patentes, não há datas, apenas … números. Afinal, na morte, todos somos iguais.

Quem quiser homenagear com a sua visita algum combatente em especial, basta solicitar ao funcionário, através do nome, que após pesquisa num simples mas bem organizado ficheiro lhe indicará o número da urna, assim bem como a sua localização. Na ficha podem encontrar-se alguns elementos de caracter pessoal.

Só quem desce aquele lugar é que sente o peso da história. Sente o pulsar do patriotismo e heroísmo daqueles que, encerrados em pequenas urnas, cerram fileiras como já o haviam feito quando combatiam em França e em África, levantando bem alto o nome de Portugal.

Muitos não repousam neste local. Uns porque ficaram nas trincheiras da Flandres, nas matas africanas ou em cemitérios militares junto dos cenários de guerra (1). Outros ficaram sepultados junto às igrejas das suas terras, que os viram nascer, crescer e partir, e aonde nem todos regressaram.


Guiné > Bissau > 1966 > Cemitério onde ficaram sepultados os primeiros combatentes da guerra colonial. Há placas funerárias de militares de origem metropolitana que vão, pelo menos, até 1968. O estado de abandono do cemitério faz doer o oração, diz-nos o Marques Lopes, que esteve lá recentemente, em Abril de 2006, com o Xico Allen (LG).

Foto: © Virgínio Briote (2005)

Assim como na Batalha, ninguém sabe o nome daqueles que lá repousam, aqui, na Cripta, só os familiares e amigos, já informados, sabem onde encontrar aquele ou aqueles que recordam.

Para os outros que a visitam, aquele lugar, apenas identifica o Marechal Manuel de Oliveira Gomes da Costa, um dos oficiais que comandou tropas expedicionárias em África, Índia e em França durante a Grande Guerra. Foi transladado para aquele local, todo forrado a mármore preto, na data do centenário de seu nascimento (14 de Janeiro de 1863 - 14 de Janeiro de 1963), homenageado pela Liga dos Combatentes.

Este deve ser o local de culto a todos os Combatentes Portugueses, desde a Fundação da Nacionalidade até ao fim dos tempos ...

Para este local deveriam ser transladados os restos mortais de todos aqueles que encontraram a sua última morada nos cemitérios militares ou civis que se encontram nas terras do então Ultramar, e cujas famílias não tiveram a possibilidade de reclamar o seu “regresso a casa”, mas, sobretudo, daqueles que encontraram a sua última morada no próprio local do combate.

José Martins
8 de Setembro de 2000
____________

Nota de L.G.

(1) Vd. posts de

28 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P920: Os soldados paraquedistas tombados e sepultados em Guidage (José Martins)

28 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P919: Vamos trasladar os restos mortais dos nossos camaradas, enterrados em Guidage, em Maio de 1973 (Manuel Rebocho)

30 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXIX: Do Porto a Bissau (23): Os restos mais dolorosos do resto do Império (A. Marques Lopes)

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