terça-feira, 13 de junho de 2006

Guiné 63/74 - P874: O que é feito dos nossos relatórios de operações ? (Idálio Reis / Nuno Rubim)

1. Texto, com data de 9 de Junho de 2006, do Idálio Reis (ex-Alf Mil, CCAÇ 2317, BCAÇ 2835, Gandembel e Ponte Balana 1968/69) (1):

Caro Nuno Rubim:

Aproveito esta oportunidade para lhe desejar que esteja de boa saúde.

Esta questão do blogue do Luís Graça vem naturalmente despertando alguma curiosidade, mas reconheço que as memórias de há 4 décadas estão confusas na sua incertidão, para além de as de menor sensibilidade estarem já bastante esbatidas. Percebe-se esta inquietude, para quem gostaria de narrar acontecimentos, mas que requerem a precisão e o seu pormenor, ou seja, baseados na sua autenticidade formal.

De forma que tomo a ousadia de me dirigir à sua pessoa, para me ajudar. Julgo eu, que haverá um qualquer Departamento do Ministério da Defesa, um arquivo referente à minha Companhia [, onde me seja possível consultar a sua história, desde militares incorporados, itinerários, confrontos bélicos, datas, mortos, feridos, etc.
Se assim é, onde? Qual o melhor meio de chegar até ela?

Muito cordialmente, Idálio Reis.


2. Resposta, no mesmo dia, do Nuno Rubim (coronel de artilharia, historiador, comandante, entre outras unidades, da CCAÇ 726, Guileje, 1964/66:

Pois, caro Camarada Idálio Reis:

A questão que coloca é o cerne da problemática que respeita à documentação das nossas guerras de África, 1961-1974 !

Porque... simplesmente... desapareceu a quase totalidade dos relatórios de operações das unidades envolvidas !!! E de qualquer das três frentes, Angola, Moçambique e Guiné !

Incrível, mas é a pura verdade !..

Parece que só restaram os Sitreps, Perintreps e os relatórios dos altos Comandos que, como é óbvio, são resumos muito resumidos... e expurgados da realidade da actividade operacional. E que estão à responsabilidade de uma entidade, a CECA, que deles, pelo que tenho sido informado, não abre mão...

Tal como o amigo, e justamente porque me dedico ao estudo da nossa história militar, também eu procurei encontrar os numerosos relatórios de operações e outra documentação que enviei, quer por escrito, quer via rádio, referente às várias unidades que comandei.

E o resultado foi...zero!!!...

E, como muito bem diz, a nossa memória de 4 décadas está bastante esbatida e muitos de nós gostariamos de a confrontar com a documentação oficial então produzida, sobretudo ao nível Companhia.

Para mim o problema é de tal forma absurdo que, numa pesquisa que estou presentemente a desenvolver, encontrei todos os relatórios de operações (no Arquivo Histórico-Militar) que foram redigidos entre 1871 e 1915, no Sul de Angola, matéria que estou a investigar.

Mas no Arquivo Histórico Militar há um processo, referente ao CTIG [Comando Territorial Independente da Guiné], que ainda não consultei. Não tenho grandes esperanças, mas o camarada até podia ajudar. Quem sabe ?...

Eu vou lá na próxima 5ª feira (ainda a confirmar). O meu telefone é o 212 120 446.

Por favor não me fale mais em ousadia. O camarada, tal como eu, passámos por tais provações que nos tornam permanentemente solidários em quanto estivermos neste triste vale de lágrimas...

Um grande abraço,
Nuno Rubim


3. Comentário de L.G.:

Esta questão, aqui levantada pelo Idálio e respondida com frontalidade pelo Rubim, deve merecer a nossa melhor atenção e mobilizar as nossas melhores energias. Temos direito à verdade, incluindo o acesso às fontes de informação e documentação sobre a guerra colonial. Eu fiquei perplexo ao saber, pelo Nuno Rubim, que grande parte da nossa memória colectiva, da memória de toda uma geração, ficou irremediavelmente amputada com a destruição ou perda dos arquivos das unidades que fizeram a guerra colonial na Guiné, em Angola e em Moçambique.

Os arquivos da PIDE, da Legião Portuguesa, do Salazar, do Marcelo Caetano passaram a estar disponíveis, na Torre do Tombo, à consulta dos especialsiats e de demais interessados, com as restrições previstas na lei.

Nós, que fizémos a guerra colonial na Guiné, entre 1963 e 1974, estamos impedidos de saber o que se passou exactamente no dia em que fomos emboscados ou caímos numa mina ou sofremos um ataque no nosso aquartelamento ou destacamento... Alguns de nós conseguiram, à socapa, trazer alguns documentos classificados, nomeadamente a história das respectivas unidades... Mas pouco mais.

Sugiro que façamos chegar aos nossos eleitos, os nossos representantes na Assembleia da República, um pedido para a que esta questão seja esclarecida pelo Ministro da Defesa:(i) quem destruiu ou mandou destruir ou abandonar a documentação relativa à actividade operacional em África (1961/74); (ii) como se pode aceder ao que resta da informação e documentação ainda na posse dos militares; (iii) que razões (legítimas ou não) se escondem por detrás deste muro de silêncio, etc.

O Jorge Cabral, que é jurista, e o Nuno Rubim, que é historiador militar, além de oficial superior do Exército, com larga experiência no TO da Guiné, poderão ajudar-nos a levar a bom termo estas nossas pretensões. Sem esquecer outro nosso historiador, que é o Leopoldo Amado, um outro especialista nesta área, profundo conhecedor dos aspectos político-militares da guerra de guerrilha que foi travada na Guiné contra Portugal.
__________

Notas de L.G.

(1) Vd. post 19 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXIV: Um sobrevivente de Gandembel/Ponte Balana (Idálio Reis, CCAÇ 2317)

(2) Vd. post de 10 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P862: O nosso novo tertuliano, o Coronel Nuno Rubim

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