segunda-feira, 12 de junho de 2006

Guiné 63/74 - P866: De Cansissé e a Fonte dos Fulas ao Baixo Mondego ou como o mundo é pequeno (Idálio Reis)

Guiné > Nova Lamego (Gabu) > 3ª CART / BART 6523 > Junho de 1974 > Cansissé: Os soldados do destacamento de Cansissé, entre Bafatá e Nova Lamego, junto ao Rio Corubal, confraternizam com guerrilheiros do PAIGC e com a população local (fulas e mandingas)... Era o fim de mais de 11 anos de guerra...

© Américo Marques (2005)


1. Texto, com data de 5 de Junho de 2006, de Idálio Reis (ex-Alf Mil, CCAÇ 2317, BCAÇ 2835, Gandembel e Ponte Balana 1968/69) (1)


Caro Luís:

No pretérito sábado [3 de Junho], a minha Companhia [CCAÇ 2317]juntou-se para confraternizar.

É sempre motivo de intenso júbilo, que mais se acresce quando (re)aparecem mais 2 companheiros, que não víamos há mais de 35 anos. Pedi-lhes a sua ajuda para o nosso blogue. É pessoal da classe VIP.

Tentei-me a escrever algo sobre a carta que o Mário de Oliveira nos brindou há dias (2). Se achares que este post [,publicado a seguir,] tem algum substrato para merecer entrar no blogue, fica ao teu critério.

Reparei que o mapa de Cansissé está inserto. Então para que conste nos anais, cumpre-me referir que a primeira tropa a ir para esse belo local, onde vivia o régulo de Tumaná de Cima, foi o meu grupo de combate. Lá passámos belos dias, que nos trouxe gratas recordações.

Um dia escreverei sobre Cansissé (3) e os seus enigmas de encantar, onde, entre tão belas coisas, não posso esquecer que foi aí que bebi a melhor água, na fonte dos Fulas.

E para quando, se possível, a inserção dos mapas de Aldeia Formosa (Quebo) e de Buba?

O que se segue é um aparte. Da leitura da tua biografia, constatei que a tua esposa é (ou foi) funcionária do mesmo Organismo que o meu, o IDRHa [Instituto de Desenvolvimento Rural e Hidráulica do Ministério da Agricultura], e que agora vai tomar um outro nome e sofrer mais tropelias. Como sou da origem das origens do ex-IHERA [Instituto de Hidráulica, Engenharia Rural e Ambiente], ainda que o meu itinerário profissional que se aproxima do fim, tenha sido dedicado essencialmente ao Aproveitamento do Baixo Mondego, não tenho o privilégio de a conhecer, até porque julgo que a sua proveniência é a da ex-DGDR [Direcção-Geral de Desenvolvimento Rural].

Mas o mundo não deixa de ser pequeno!

Cordiais saudações do Idálio Reis.

2. Comentário de L.G.:

Pois é, Idálio, por muitas voltas que a gente dê, vai sempre parar ao local de crime, o sítio onde nasceu, aprendeu a falar, bebeu a primeira água e o primeiro leite, cresceu, viveu, amou... Foi este pedaço do mundo que nos calhou em sorte. E agora temos o privilégio de viajar no tempo e no espaço ao alcance de um clique...

Confirmo as tuas suspeitas: a minha mulher, Maria Alice Ferreira Carneiro, pertence ao mesmo organismo que o teu, no Ministério da Agricultura, sendo tu da Hidráulica e ela do Desenvolvimento Rural... Por muitas voltas que a gente dê, acabamos sempre por estar em casa e reconhecer que este mundo, afinal, é bem pequeno...

Espero que, pela tua parte, te sintas bem entre nós - bem melhor do que em Gandembel e na Ponate Balana! -, nesta imensa caserna caserna virtual, que já vai de Viana do Castelo a Bissau, passando pelo Brasil e os Estados Unidos da América...

Vou-te, naturalemnte, publicar, a seguir, a carta ao Padre Mário de Oliveira, eqnuanto aguardo com curiosidade o teu relato das mil e uma noites que passaste em Cansissé, bebendo a água da sabedoria (e quiça dos amores) da Fonte dos Fulas...

Quanto aos mapas de Aldeia Formosa e Buba, vou meter uma cunha ao nosso cartógrafo-mor, que é o Humberto Reis... Um ciber-abraço L.G.

__________

Notas de L.G.

(1) Vd. post 19 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXIV: Um sobrevivente de Gandembel/Ponte Balana (Idálio Reis, CCAÇ 2317)

(2) Vd. post de 17 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXV: Foi em plena guerra colonial que nasci de novo (Padre Mário de Oliveira )

(3) Quem também esteve em Cansissé foi o nosso camarada Américo Marques, de Viana do Castelo: vd post de 12 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXVI: Américo Marques, o último soldado do Império (Cansissé, 1974)

(...) "Ele era soldado de transmissões e, na noite de 24 para 25 de Abril de 1974, estava no seu posto, a sintonizar a rádio em Lisboa. Costumava fazer isso com muita frequência. Estava em contacto com todo o mundo. Os dias eram sempre iguais e custavam a passar. E as noites ainda pior. Mas "nessa noite ficou confundido e baralhado: havia movimento de tropas em Lisboa, alguma coisa se passava de anormal"…

"Foi assim que teve conhecimento do golpe de estado do Movimento das Forças Armadas que depôs o Governo de Marcelo Caetano. Informou os seus camaradas. Foi um alvoroço. A vida em Nova Lamego e em Cansissé não voltou mais a ser como dantes. Apareceram logo uns esquerdistas, até então caladinhos, a organizar o pessoal, a dar ordem, a fazer reuniões… A hierarquia e a disciplina militares começaram a ser postas em causas. Eram os comités de soldados (sic) que tomavam iniciativas. Às tantas já se falava tu-cá-tu-lá com os gajos do PAIGC, beijinhos e abraços, troca de roncos, como se não tivesse havido uma longa guerra…

"Esta foi a parte mais dura de engolir para o nosso amigo Américo que viu, com tristeza, a nossa bandeira ser substituída pela do PAIGC no seu destacamento… Em Setembro de 1974, ele voltava para casa, com o sentimento (amargo) de ter sido o último soldado do império… Há coisas, na tropa e na vida, para as quais um homem nunca está preparado" (...).

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