quinta-feira, 16 de fevereiro de 2006

Guiné 63/74 - P525: Pidjiguitgi, o verso e o reverso da verdade:comentários ao post do Mário Dias

1. Texto de David Guimarães:

Acho de capital importância este facto narrado e, pelos vistos, finalmente com verdade... Sempre digo que contar a história por aquilo que nos contam dá sempre coisa errada...

Eu continuo a embriagar-me com cada notícia que vou lendo. Sim, e desta vez não é com cerveja a comer ostras no Solar dos Dez... É com emoção...

Honro os nossos historiadores, claro, mas estas são outra histórias que farão os doutos entrar na terra, vir à guerra e servir-se com verdades...

Ficamos agora a saber como é que o Pidjiguiti entra na história da guerra da Guiné... Na sua Crónica da Libertação, Luís Cabral também fala disto, mas creio que com outra entoação, o que eu entendo...

Obrigado ao Mário Dias e a todos aqueles que falam daquilo apaixonadamente... Ainda queria descobrir porque afinal tanto gostamos daquilo... Não sei se na tertúlia há algum psicólogo que tente explicar estes sentimentos... Gostava de perceber isto....

Um dia - estava eu no destacamento da Ponte dos Fulas -, veio um cabo ter comigo com um aerograma na mão... Aberto e já sujo, tinha sido perdido entre o Xitole e este destacamento. Era de outro soldado nosso...

Ai que curiosidade !... Até pelas características do soldado, cozinheiro, haveria toda a curiosidade em lê-lo e mais nada. Dizia qualquer coisa assim:
- Querida, ontem tivemos uma grande operação em que estiveram aviões, espingardas metralhadoras e tudo... Eu estava lá... etc., etc., etc. - Ele tinha tido a acção preponderante nessa batalha. E que batalha, uma grande batalha!...

Chamei o soldado em questão e perguntei, sem lhe mostrar o sobrescrito:
- Oh! fulano - ainda é vivo!- , então ontem houve um combate muito grande e tu não disseste nada !?

Ele começou a olhar para mim, de lado... O resto que já não interessa contar. Rimo nos, ele reconheceu que estava a pregar uma grande peta à pobre da noiva.... Enfim, era assim que as notícias dos heróis chegavam à metrópole...

Um domingo, igual a todos os dias passados na Ponte dos Fulas, rimo-nos com vontade, como há tempos não nos ríamo-nos... Mas se a carta tivesse chegado ao seu destinatário, o que pensaria a noiva dele, hoje possivelmente sua mulher?

Que grande história, que perigos, que heroísmo!... Ele, um simples soldado, básico, cozinheiro, escrevia mesmo mal e contava a história de uma batalha que nunca viveu... Deus me livre que ele desse um tiro com a espingarda, era um perigo!...

É óbvio que com isto reforço o valor dos nossos testemunhos sem romances... Romances era só com as bajudas ou mesmo mulher grande sem marido ver, mas essa ficção era bom... Quanto ao resto,. a guerra romanceada, não. É isso que vejo por aí... Tenho lá um livro em que um oficial - não interessa o noime - conta contos de outros e estórias que não viveu...

Maria Dias, eu tinha a a ideia dos 50 mortos e da centena de feridos... A alguém convinha isso. Que houve chatice, sim houve, números diferentes e objectivos aproveitados... Isso sim é importante... Uma certeza, sim, um povo explorado, disso não temos dúvidas... Mas é bom que os fantasmas da Guiné apareçam... e que nunca se realizem as fantásticas batalhas como aquelas que o nossop básico relatava à noiva no na estrada Xitole - Ponte dos Fulas...

Um abraço, David Guimarães.

2. Do historiador guineense e doutorando pela Universidade de de Lisboa Leopoldo Amado:

Caros amigos,

A Tertúlia tem-se revelado de uma prodigiosa utilidade: pela qualidade e quantidade de textos produzidos no seu âmbito; pelo justificado nível da audiência que consequentemente têm conquistado; pela importância que encerra no que tange a depoimentos e/ou testemunhos presenciais por parte de elementos que observaram acontecimentos, etc., etc.

Sempre o disse e repito-o: todo esse trabalho de importância incomensurável terá que ser (deve ser) partilhado com um maior número de pessoas, se possível, em livro com o grande público. Só assim se poderá com toda a propriedade afirmar-se no futuro que – para lá de toda a emotividade que a Tertúlia suscita(ou) –, possui(u) igualmente a função de guardiã da memória dessa guerra que importa conhecer cada vez melhor, até para que possamos reconciliar-nos com os aspectos que lhe subjazem, à montante e à jusante do seu aspectos intrínsecos.

Com efeito, a importância do texto que Mário Dias produziu sobre o Massacre de Pindjiguiti ou assim chamado, interpelou directamente a minha sensibilidade de interessado nessa guerra enquanto historiador guineense, mas também enquanto cidadão do mundo, pelo que aqui fica a minha promessa de nos próximos dias produzir um comentário crítico sobre o mesmo, não obstante ver-me antecipadamente e desde já na contingência de dar os meus vivos parabéns ao autor por mais esta importante contribuição que, além de animar um debate que reputo construtivo e altruísta, ainda possui o condão – assim espero – de trazer ao de cima senão toda a luz e toda a verdade (porque imossível, ao menos irá contribuir para a desmistificação histórica dos aspectos próprios dessa guerra, reduzindo consequentemente as zonas cinzentas, as inverdades ou as meias-verdades que essa recente historiografia necessariamente comporta, porquanto é igualmente recente o correspondente sujeito histórico.

Leopoldo Amado

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