quinta-feira, 26 de janeiro de 2006

Guiné 63/74 - P458: Estórias do Xitole ao Saltinho: duas pontes, um fornilho e uma trovoada tropical (David Guimarães)

Guiné-Bissau > Zona Leste > Xitole > 2001: A antiga Ponte Marechal Carmona, sobre o Rio Corubal, na estrada Bambadinca-Xitole-Aldeia Formosa. © David J. Guimarães (2005)


Guiné-Bissau > Zona Leste > Xitole > 2001: O David J. Guimarães à entrada da antiga Ponte Marechal Carmona , sobre o Rio Corubal, do lado da estrada que conduzia ao aquartelamento do Xitole, a cerca de 3 km. © David J. Guimarães (2005)
1. Perguntava há dias o Humberto Reis (ex-CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71) ao David Guimarães (ex-CART 2716, Xitole, 1970/72):

Tens que esclarecer uma coisa, s. f. f.: na nossa página sobre o Xitole/Saltinho, há uma fotografia tua, que tiraste em 2001, a atravessar a Ponte Marechal Carmona, em que tu dizes ser "sobre o rio Corubal, na estrada Bambadinca-Xitole-Aldeia Formosa".

Então para se ir do Xitole até à Aldeia Formosa não tinha de se passar no Saltinho e atravessar a Ponte Craveiro Lopes, a tal que tem vários arcos em betão armado?
Que estrada era essa, afinal ?


Guiné-Bissau > Zona Leste > Saltinho > 2001 >O David J. Guimarães junto à ponte do Saltinho, um dos sítios paradisíacos da Guiné onde havia, no tempo da guerra colonial, um aquartelamento que ficava a 20 Km de Xitole na estrada para Aldeia Formosa (hoje, Quebo). Esta ponte, nosso tempo, chamava-se Craveiro Lopes...
© David J. Guimarães (2005)


2. Comentário do L.G.:

Em 2001, o David revisitou com a esposa e com antigos camaradas os sítios por onde passou (Sector L1/Zona Leste). Escreveu ele: "É célebre o Saltinho pela sua localização junto ao Rio Corubal e pela sua linda ponte. Curiosamente como em Cussilinta o Rio aí também tem rápidos. A Guiné toda plana e com rápidos nos rios!... É estranho mesmo. Ao tempo estava lá uma Companhia que pertencia ao Batalhão com sede em Galomaro, e que eram portanto nossos vizinhos".

A importância estratégica desta ponte era óbvia: permitia a ligação rodoviária do resto da Guiné (norte, leste, oeste) com o sul...


3. Resposta do David Guimarães à pergunta do Humberto:

A ponte Marechal Carmona que vês na fotografia - possivelmente nunca lá foste - ficava a 3 Km do outro lado da pista dos aviões em Xitole e ficava na perpendicular desta e sobre o Rio Corubal...
Essa ponte tinha exactamente esse percurso, mas estava interrompida com um pegão no rio... Aí este já tinha um grande caudal e era depois um pedaço dos rápidos de Cussilinta, mais à frente, no sentido descendente, claro.
Já no nosso tempo se colocavam três hipóteses: (i) teria a nossa tropa feito isso?; (ii) teria sido o inimigo?; ou - a que me parece mais viável - (iii) teria sido mesmo colapso... De facto, ficou ali assim e continua (1) ...
Tenho a sensação de que digo ser a estrada antiga que fazia esse percurso e que era muito mais rápido por aí... Se reparares no mapa, verás que por aí havia uma estrada que ainda existe... Também por aí dava ligação para Fulacunda...
É uma ponte muito linda, com pegões direitos e um está no rio... As guardas de lado são de cimento. Muito linda mas interrompida. Eu tirei na altura [2001] a fotografia da ponte com a interrupção. O resultado fopi que não saiu nada, daí que não possa documentar este aspecto...
Um dia se voltares lá, não percas ir ver essa ponte. vale a pena...
Desse lado nunca tivemos guerra sendo que sabíamos que eles passavam por lá, à vontade...
Aí debaixo da ponte haviam crocodilos e foram vistos hipopótamos no meu tempo: pelo menos um, que tinha morrido...
Recapitulando: essa ponte fica(va) sobre o rio Corubal e para o outro lado da pista do Xitole (2)... Essa área era muito patrulhada por nós...

Um abraço


4. Resposta do David a um pedido do L.G. para mais comentários sobre a imagem com a vista aérea do Xitole:

Agora, Luís, olha bem para a fotografia do Xitole, vista aérea... Vês junto à pista um heliporto, em quadrado... Pela direita, repara, vês um caminho que atravessa a pista e segue mato dentro, não bem definido porque era muito pouco frequentado... Essa é a estrada que nos leva à Ponte Marechal Carmona...
Guiné-Bissau > Zona Leste > Xitole > 2001: A antiga casa do chefe de potso, vista do lado da parada.
© David J. Guimarães (2005)

Diz-me se estás localizado... Portanto casa do Chefe de Posto, umas arvorezinhas junto ao posto de transmissões, depois a pista e então surge o caminho....

Tenho a noção exacta de que aquela zona era tão perigosa como as outras, contudo nós gostávamos de fazer para ali patrulhamentos. Como ninguém nos tinha incomodado dali, enfim....

Guiné > Xitole > 1970 > Vista aérea do Xitole (aquartelamento, posto administrativo e tabanca)© Humberto Reis (2006)

Uma curiosidade: para protecção dessa zona e do heliporto, eu tinha montado um fornilho mesmo junto ao arame farpado... Tem uma trilha ao longo da pista, era a zona do arame farpado...

Bem, esse fornilho seria para ser utilizado com um explosor que estava colocado dentro do abrigo onde estávamos instalados, eu e os demais furriéis. Bem, um belo dia há tremenda trovoada e, pum!, um grande rebentamento... Lá se foi o fornilho... Ena, que eu tinha cometido um erro: é que o fio condutor que ligava os detonadores ao explosor e que estava sob a pista atravessando-a, passava rentinho a um posto de iluminação que tínhamos junto ao nosso abrigo caserna. Uma atrevida faísca foi cair justamente no condutor e pronto...

Salvou-se uma coisa: ficou aberto um buraco enorme onde eu fui montar outro fornilho. Mas desta vez o fio foi desviado do poste... Enfim, coisas de guerra e do ofício de minas e armadilhas...

Vou através deste mapa tentar identificar os edifícios para que se recordem deles... Quanto à ponte, Luís, nunca lá foste, creio eu...

Um abraço,
David
______

Nota de L.G.

(1) Vd. post anterior do David Guimarães, de 17 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XX: "Foi você que pediu uma kalash?". Eis o que ele nessa altura escrevue sobre a ponte:

"No Xitole, para lá da pista de aviões, a 5 Km há uma ponte que atravessa(ava) o Rio Corubal, ligando a estrada de Bambadinca-Xitole à Aldeia Formosa.... Essa ponte está interrompida com um pegão dentro da água... Essa ponte mantem-se lá, inoperante, e não foi reconstruída...

"A história é que essa ponte teria sido interrompida pela nossas tropas no início da guerra. Outra versão é que que tinham sido os naturais. Uma terceira versão é que tinha sido o Corubal e as chuvas que teriam causado o colapso da ponte... Fico à espera que alguém me conte a versão verdadeira. Alguém da Guiné saberá? Desconfio que não, pois dela resta a história somente.

"Seguem em anexo duas fotografias da tal ponte [a Ponte Marechal Carmona], pois ela é só meia ponte: a fotografia que mostra a interrupção, não saiu, que pena! Mas, enfim, é essa. Onde estou eu é exactamente na entrada do lado do caminho para o aquartelamento... Nota-se que ela está inclinada... Era importanete esta zona, pois que, como em todas as pontes, eram feitas operações de reconhecimento regulares"...

(2) No mapa do Xitole (Serviços Cartográficos do Exército, 1956), a "ponte em ruínas" vem devidamente sinalizada, no Rio Corubal, a cerca de 4,5 km, a sul do Xitole, entre os ilhéus saido (a oeste) e os rápidos de Cusselinta (a leste)...

Não sei a data da construção da Ponte Marechal Carmona, mas é capaz de ser dos anos 40. Essa ponte deveria permititir a ligação a uma picada (ou uma estrada projectada: está no mapaa a tracejado) que ia ter à estrada para Buba e Fulacunda (à direita) e Mampatá, Quebo (Aldeia Formosa) e Chamarra (à esquerda). Antes da guerra, podia-se depois regressar ao Xitole, através de Contabane (virando à esquerda) e Saltinho (Ponte Craveiro Lopes). No cruzamento de Contabane, à direita, apanhava-se a estrada para Guileje e Madina do Boé.

Vejam também o mapa geral da Província da Guiné (1961)

1 comentário:

HERMAN (mc deddy). disse...

O senhor está muito correto na história. Sei de que ponte estás a se referir e tenho fotos minhas recentes nessa outra ponte que fica paralela aquela que está operante no momento. Fiz fotos debaixo da ponte onde haviam crocodilos e hipopótamos. Há muitas histórias por debaixo daquelas terras. E sei.