segunda-feira, 8 de agosto de 2005

Guiné 63/74 - P146: Setembro/69 (Parte I) - Op Pato Rufia ou o primeiro golpe de mão da CCAÇ 12 (Luís Graça)

Extractos de: História da CCAÇ 12: Guiné 69/71. Bambadinca: Companhia de Caçadores nº 12. 1971. Cap. II. 11-13. Selecção e notas de L.G.

Resumo: A CCAÇ 2590/CCAÇ 12, composta por quadro metropolitanos, chegados à Guiné em finais de Maio de 1969 (1), e por soldados africanos, praticamente todos oriundos do chão fula que tinham feito a sua instrução básica e de especialidade em Contuboel (2), é dada como operacional, a partir de 18 de Julho de 1969.

Colocada em Bambadinca (Sector L1), como unidade de intervenção, fica pronta a actuar às ordens de qualquer um dos sectores da Zona Leste da Guiné (em especial dos Sectores L1, L3 e L5). Tem o seu baptismo de fogo logo imediatamente a seguir, em Madina Xaquili, no sub-sector de Galomaro (3).


3. Setembro/69 (Parte I) – Op Pato Rufia ou primeiro assalto a um objectivo IN

O guerrilheiro [Malan Mané] que foi aprisionado pelos paraquedistas [na Op Nada Consta, realizada em conjunto com a CCAÇ 12 e outras forças] (4) ficou depois à disposição do BCAÇ 2852 [, na sede do sector L1, em Bambadinca ]. Explorando-se o seu estado psicológico, obtiveram-se informações que levariam à localização de um outro acampamento IN no sub-sector do Xime.

Tratava-se de um destacamento avançado a escassas horas do Xime, composto por 5 cubatas paralelamente à estrada Xime-Ponta do Inglês, do lado oeste, internadas na mata 150 metros.


Um RPG-2, com o respectivo porta-granadas. Em russo: Ruchnoi Protivotankovii Granatomet (RPG-2). Uma temível arma que data do princípio dos anos 50. Deixou, entretanto, de ser usada pelo exército russo. Mas foi muito popular entre os exércitos de guerrilha em todo o mundo. Era a bazuca dos pobres... É uma arma muito leve (tubo= 2,86kg.; tubo + granada= 4,48 kg.) e de fácil manobra. Alcance efectivo= 100 metros. Fonte: The Sword of Motherland Foundation (2005), com a devida vénia.


O prisioneiro estivera lá três meses antes, e na altura os efectivos eram de cerca de 40 homens, incluindo um grupo especial de roqueteiros que todas as manhãs se deslocavam para a Ponta Varela afim de atacar as embarcações em circulação no Rio Geba. O armamento era constituído por RPG-2 (seis) e armas ligeiras (5).

Com base nestas informações planeou-se imediatamente Op Pato Rufia afim de executar um golpe de mão sobre o acampamento em referência, com o prisioneiro a servir de guia.

O início do golpe de mão estava previsto para a madrugada do dia 25 de Agosto, mas o guia [, o prisioneiro Malan Mané,] perdeu-se devido à escuridão e à altura do capim sendo mais [recomendável fazer um, ilegível ] prévio reconhecimento da área.

A 27 de Agosto, o 2º Gr Comb [da CCAÇ 12] e forças da CART 2520 [Xime] detectariam uma casa de mato abandonada e uma granada de morteiro 60 que não foi levantada por não apresentar garantias de segurança, a escassas centenas de metros do acampamento IN cujos trilhos de acesso foram devidamente reconhecidos pelo prisioneiro.

No regresso ao Xime verificou-se que o trilho, feito pelas NT dois dias antes, estava minado nos pontos de confluência com a estrada da Ponta do Inglês, tendo os picadores detectado cinco minas anti-pessoal. Tornava-se evidente que o IN fora alertado e que [redobrara] de vigilância a partir de então.

A 7 de Setembro, repetia-se a Op Pato Rufia, com a seguinte composição e articulação das forças:

(i) Dest A: CCAÇ 12 a 3 Gr Comb (+);
(ii) Dest B: CART 2520 a 2 Gr Comb (+);
(iii) Dest C: PEL CAÇ NAT 53, 63 e 52 (-).


Desenrolar da acção:

A progressão iniciou-se pelas 1.30h da noite, atingindo-se as proximidades do local do acampamento já perto da madrugada. Os Dest B e C dirigiram-se para os seus locais de emboscada, enquanto o Dest A formava em linha paralelamente à estrada.

Sabia-se que o IN tinha uma sentinela avançada e que os elementos do grupo dormiam com as armas à cabeceira. A aproximação através do capim alto e da mata densa facilmente denunciava as NT.

E, de facto, ainda mal o Dest A tinha iniciado a progressão en linha quando foi alvejado por duas rajadas de pistola-metralhadora que deram o sinal de alarme. Imediatamente as NT começaram a ser batidas por fogo de lança-rockets e armas automáticas a que reagiram prontamente.

Foi nessa altura que um dilagrama, ao ser descavilhado, rebentou à boca da arma, por deficiência da alavanca de segurança, tendo atingido o prisioneiro Malan Mané (6) e o Soldado Iero Jau (2º Gr Comb) que o conduzia e que teve morte quase instantânea. Entretanto já tinham sido feridos o 1º Cabo Mateus (3º Cr Comb) com um tiro no joelho e dois picadores da milícia [do Xime].

Continuando a progressão, e tendo ficado 1 Gr Comb (-) a montar segurança aos feridos, atingiu-se o acampamento constituído por 9 cubatas, para quatro a cinco homens cada, e que o IN tinha abandonado precipitadamente. Na fuga urn pequeno grupo foi cair na zona de emboscada do Dest B que abriu fogo, tendo o IN reagido com um disparo de RPG-2 que causou vários feridos ligeiros às NT.

Entretanto já os Gr Comb do Dest A tinham literalmente saqueado as casas de mato, recolhendo documentos, livros didácticos, folhetos de propaganda e objectos pessoais (inclusive maços de tabaco russo), além de material de guerra.

À ordem, as forças dos 3 Dest reuniram-se no local do acampamento e colaboraram numa batida minuciosa à zona a fim de detectar os vestígios deixados pelo IN que retirou, disperso, em debandada, na direcção de Buruntoni e Ponta Varela.

Além de vários feridos prováveis, o IN sofreu 2 mortos confirmados (posteriormente).

Feita a evacuação dos feridos, os 3 Dest receberam ordem de retirar. Entre Gundagué Beafada e Madina Colhido foram vários rebentamentos na área do acampamento. Presumindo que as NT ainda estivessem no local, o IN fizera fogo de reconhecimento na direcção do Buruntoni.

Por volta das l6h, as nossas forças chegavam ao aquartelamento do Xime, tendo o Dest A transportado em maca o cadáver do soldado Iero Jau (7).

O material capturado pelo Dest A (CCAÇ 12), no valor de 10.825$00, foi o seguinte:

Granadas de LGFog-RPG-2= 30
Granadas de Mort 60 = 6
Granadas de mão defensivas = 2
Minas anti-pessoal = 3
Munições 7,62 Pist Metr PPSH = 610
Munições 7,62 Esp Aut Kalashnikov e Met Lig Degtyarev = 88
Carregadores Esp Aut Kalashikov c/bolsa = 3
Carregadores Metr Lig Degtyarev=2
Carregadores Pist Metr. PPSH = 2
Cartuchos propulsores = 2
Cargas suplementares de RPG-2 = 34
Saco de campanha = 1
Cantil = 1
Marmita = 1
Almotolias =2

Até ao fim do mês, os grupos IN do Xime manifestar-se-iam três vezes:

(i) a 24 emboscando na área de Poindon/Ponta Varela forças da CART 2520 que tiveram um ferido;

(ii) a 28, flagelando em Darsalame Baio com costureirinhas [pistolas metralhadoras PPSH] e rockets o 1º e o 3º Gr Comb da CCAÇ 12 durante a Op Prato Raso;

(iii) e a 29, desencadeando uma emboscada contra forças da CART 2339 [Mansambo] que sofreram um morto e um ferido grave, na estrada Mansambo-Bambadinca.

(Continua)
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Notas (L.G.)

(1) Vd. post de 23 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXVI: (i) A bordo do Niassa; (ii) Chegada a Bissau .

Vd. ainda +post, com a mesma data > Guiné 69/71 - LXXIV: A nossa mobilização para o CTI da Guiné (CCAÇ 12)

(2) Vd. post de 29 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXVI: No 'oásis de paz' de Contuboel (1969)

(3) Vd. post de 29 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXVIII: O baptismo de fogo da CCAÇ 12, em farda nº 3, em Madina Xaquili (Julho de 1969)

(4) Vd. post de 30 de Junho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXX: A CAÇ 12 em operação conjunta com a CART 2339 e os paraquedistas (Agosto de 1969)

(5) Sobre o armamento da guerrilha, vd. post de 16 de maio de 2005 > Guiné 69/71 - XIX: O festival das kalash, das 'costureirinhas', dos rockets e dos katiousha .

Uma apresentação e uma descrição minuciosas do RPG-2, o temível lança-rockets usado pelos guerrilheiros do PAIGC, podem ser lidos no sítio russo, em inglês, dedicado à história militar da Rússia (The Sword of Motherland Foundation).

(6) O dilagrama que provocou este trágico acidente era empunhado por um graduado da CCAÇ 12, que não era apontador habitual de diligrama do seu grupo de combate. No relatório omite-se, por conveniência ou cumplicidade, este facto grave. O Iero Jaló, de etnia fula, morreu ao meu lado. O Malan Mané, o prisioneiro, de etnia mandinga, foi gravemente ferido, tendo sido evacuado para Bissau. Gostaria de saber o que é feito dele hoje: se conseguiu sobreviveu aos ferimentos, se ainda é vivo, se se lembra, à distância de 36 anos, destes loucos meses de Agosto e Septembro de 1969...

(7) Fomos no dia seguinte enterrá-lo na sua aldeia, no regulado do Cossé (se não me engano...). Teve honras militares. Lembro-me do ridículo atroz da cerimónia...

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